
AS PARÁBOLAS E A SUA INTERPRETAÇÃO
Na
acepção geral do termo, parábola é uma narrativa que tem por fim transmitir
verdades indispensáveis de serem compreendidas. As Parábolas dos Evangelhos são
alegorias que contêm preceitos de moral. O emprego contínuo, que durante o seu
ministério Jesus fez das parábolas, tinha por fim esclarecer melhor seus
ensinos, mediante comparações do que pretendia dizer com o que ocorre na vida
comum e com os interesses terrenos. Sugeria, assim, o Mestre, figuras e quadros
das ocorrências cotidianas, para facilitar mais aos seus discípulos, por esse
método comparativo, a compreensão das coisas espirituais. Aos que o ouviam
ansiosamente, procurando compreender seus discursos, a parábola tornava-se-lhes
excelente meio elucidativo dos temas e das dissertações do Grande Pregador. Mas
os que não buscavam na parábola a figura que compara, a alegoria que representa
a idéia espiritual, e se prendiam à forma, desprezando o fundo, para estes a
Doutrina nem sequer aparecia, mas conservava-se oculta, como a noz dentro da
casca. Daí a resposta de Jesus aos discípulos que lhe inquiriram a razão de Ele
falar por parábolas: “Porque a vós é dado conhecer os mistérios do Reino dos
Céus, mas a eles não lhes é isso dado. Pois ao que tem, dar-selhe-á e terá em
abundância; mas ao que não tem; até aquilo que tem serlhe-á tirado.” “Por isso
lhes falo por parábolas, porque vendo não vêem; e ouvindo não ouvem, nem
entendem. E neles se está cumprindo a profecia de Isaías, que diz: Certamente
ouvireis, e de nenhum modo entendereis. Porque o 19 coração deste povo se fez
pesado, e os seus ouvidos se fizeram tardos, e eles fecharam os olhos; para não
suceder que vendo com os olhos e ouvindo com os ouvidos, entendam no coração e
se convertam e eu os cure.” Pelo trecho se observa claramente que os fariseus e
a maioria dos judeus, em ouvindo a exposição da parábola, só viam a figura
alegórica que lhes era mostrada, assim como, quem não quebra a noz, só lhe vê a
casca. Ao passo que com seus discípulos não acontecia à mesma coisa; eles viam
e ouviam o ensino, o sentido espiritual que permanece para sempre; não se
prendiam à figura ou a palavra sonora, que se extingue desvanece. De modo que
os fariseus ouviam, mas não ouviam; viam, mas não viam (*); porque uma coisa é
ver e ouvir com os olhos e ouvidos do corpo, outra coisa é ver e ouvir com os
olhos e ouvidos do Espírito. (*) Em outros termos: ouviam, mas não escutavam;
viam, mas não enxergavam. A condição que Jesus expõe, como sendo indispensável
“para nos ser dado e possuirmos em abundância” é como diz o texto, de “nós
termos” — Mas “termos” o quê? Certamente algum princípio doutrinário unido à
boa vontade para recebermos a Verdade — “Aquele que tem ser-lhe-á dado e terá
em abundância.” E o obstáculo à recepção da sua Doutrina é o indivíduo “não
ter” — não ter a mais ligeira iniciação espiritual e não ter boa vontade para
receber a Nova da Salvação. De modo que a Parábola Evangélica é uma instrução
alegórica, exposta sempre com um fim moral, como um meio fácil de fazer
compreender uma lição espiritual, pelo menos, a opinião do evangelista Mateus
quando diz: “Todas estas coisas falou Jesus ao povo em parábolas, e nada lhes
falava sem parábolas; para que se cumprisse o que foi dito pelo profeta:
Abrirei em Parábolas a minha boca, e publicarei coisas escondidas desde a
criação.” (Mateus, XIII, 34-35). 20 Finalmente, as Parábolas têm pouca
importância para os que as tomam como foram escritas; demais, o sentido nunca deve
ser desnaturado ou transviado, sob pena de prejudicar a Idéia Cristã. Por
exemplo, ao que vê na parábola do “tesouro escondido” um meio de enriquecer
materialmente, ou na parábola do “administrador infiel” uma lição de
infidelidade, lhe será preferível fechar os Evangelhos e continuar a tratar de
seus negócios materiais. A inteligência dos Evangelhos explica perfeitamente a
interpretação espiritual que Jesus dá aos seus ensinos. Se os Evangelhos fossem
um amontoado de alegorias sem significação espiritual, nenhum valor teriam. 21
PARÁBOLA DO SEMEADOR
Afluindo uma grande multidão e vindo ter com
Ele gente de todas as cidades, disse Jesus em parábola: “Saiu o Semeador para
semear a sua semente. E quando semeava, uma parte da semente caiu à beira do
caminho; foi pisada, e as aves do Céu a comeram. Outra caiu sobre a pedra; e
tendo crescido, secou, porque não havia umidade. Outra caiu no meio dos
espinhos; e com ela cresceram os espinhos, e sufocaram-na. E a outra caiu na
boa terra, e, tendo crescido, deu fruto a cento por um. Dizendo isto clamou:
Quem tem ouvidos para ouvir, ouça. Os seus discípulos perguntaram-lhe o que
significava esta parábola. Respondeu-lhes Jesus: A vós vos é dado conhecer os
mistérios do Reino de Deus, mas aos outros se lhes fala em parábolas, para que
vendo não vejam; e ouvindo não entendam:” O sentido da parábola é este: “A
semente é a Palavra de Deus. Os que estão à beira do caminho são os que têm
ouvido; então vem o Diabo e tira a Palavra dos seus corações, para que não
suceda que, crendo, sejam salvos. Os que estão sobre a pedra são os que, depois
de ouvirem, recebem a Palavra com gozo; estes não têm raiz e crêem por algum
tempo, mas na hora da provação voltam atrás. A parte que caiu entre os
espinhos, estes são os que ouviram, e, indo seu caminho, são sufocados pelos
cuidados, riquezas e deleites da vida e o seu fruto não amadurece. E a que caiu
na boa terra, estes são os que, tendo ouvido a palavra com coração reto e bom,
a retêm e dão frutos com perseverança.” (Mateus, XIII, 1-9 - Marcos, IV, 1-9 -
Lucas, VIII, 4-15.) A Parábola do Semeador é a parábola das parábolas:
sintetiza os caracteres predominantes em todas as almas, ao mesmo tempo que nos
22 ensina a distingui-las pela boa ou má vontade com que recebem as novas
espirituais. Pelo enredo do discurso vemos aqueles que, em face a Palavra de
Deus, são “beiras de caminho” onde passam todas as idéias grandiosas como
gentes nas estradas, sem gravarem nenhuma delas; são “pedras” impenetráveis às
novas idéias, aos conhecimentos liberais; são “espinhos” que sufocam o
crescimento de todas as verdades, como essas plantas espinhosas que estiolam e
matam os vegetais que tentam crescer, nas suas proximidades. Mas se assim
acontece para o comum dos homens, como para a grande parte de terra improdutiva,
que faz arte do nosso mundo, também se distingue, dentre todos, uma plêiade de
espíritos de boa vontade, que ouvem a Palavra de Deus, põem-na por obra, e,
dessa semente bendita resulta tão grande produção que se pode contar a cento
por uma”. De maneira que a “semente” é a palavra de Deus, Lei do Amor que
abrange a Religião e a Ciência, a Filosofia e a Moral, inclusive os “Profetas”
e se resume no ditame cristão: “Adora a Deus e faze o bem até aos teus próprios
inimigos.” A Palavra de Deus, a “semente”, é uma só, quer dizer, é sempre a
mesma que tem sido apregoada em toda arte, desde que o homem se achou em
condições de recebê-la. E se ela não atua com a mesma eficácia em todos, deriva
esse fato da variedade e da desigualdade de espíritos que existem na Terra; uns
mais adiantados, outros mais atrasados; uns propensos ao bem, à caridade, à
liberalidade, à fraternidade; outros propensos ao mal, ao egoísmo, ao orgulho,
apegados aos bens terrenos, às diversões passageiras. A terra que recebe as
sementes, representa o estado intelectual e moral de cada um: “beira do
caminho, pedregal, espinhal e terra boa”. Acresce ainda que nem todos os
pregoeiros da Palavra a apregoam tal como ela é, em sua simplicidade e despida
de formas enganosas. Uns revestem-na de tantos mistérios, de tantos dogmas, de
tanta retórica; 23 ornam-na com tantas flores que, embora a “palavra
permaneça”, fica obscurecida, enclausurada na forma, sem que se lhe possa ver o
fundo, o âmago, a essência! Muitos a pregam por interesse, como o “mercenário
que semeia”; outros por vangloria, e, grande parte, por egoísmo. Nestes casos
não dissipam as trevas, mas aumentam-nas; não abrandam corações, mas
endurece-os; não anunciam a Palavra, mas dela fazem um instrumento para receber
ouro ou glórias. Para pregar e ouvir a Palavra, é preciso que não a rebaixemos,
mas a coloquemos acima de nós mesmos; porque aquele que despreza a Palavra,
anunciando-a ou ouvindo-a, despreza o seu Instituidor, e, como disse Ele: “Quem
me despreza e não recebe as minhas palavras, tem quem o julgue; a Palavra que
falei, esta o julgará no último dia: Sermo, quem locutus sum, ille judicabit
eum in novíssimo dia.” (João, XII, 48.) Que belíssimo quadro apresenta-se às
nossas vistas, quando, animados pelo sentimento do bem e da nossa própria
instrução espiritual, lemos, com atenção, a Parábola do Semeador! A nossa
frente desdobra-se vasto campo, onde aparece a extraordinária Figura do Excelso
Semeador, o maior exemplificador do amor de todas as idades, e aquele
monumental Sermão ressoa aos nossos ouvidos, convidando-nos à prática das
virtudes ativas, para o gozo das bem-aventuranças eternas! O Espiritismo,
filosofia, ciência, religião, independente de todo e qualquer sectarismo, é a
doutrina que melhor nos põe a par de todos esses ditames, porque, ao lado dos
salutares ensinos, faz realçar a sobrevivência humana, base inamovível da
crença real que aperfeiçoa, corrige e felicita! Que os seus adeptos,
compenetrados dos deveres que assumiram, semelhantes ao Semeador, levem, a
todos os lares, e plantem em todos os corações, a Semente da fé que salva,
erguendo bem alto essa Luz do Evangelho, escondida sob o alqueire dos dogmas e
dos falsos ensinos que tanto têm prejudicado a Humanidade! 24
PARÁBOLA DO JOIO
“O
Reino dos Céus é semelhante a um homem que semeou boa semente no seu campo.
Mas, enquanto os homens dormiam, veio um inimigo dele, semeou joio no meio do
trigo e retirou-se. Porém, quando a erva cresceu e deu fruto, então apareceu
também o joio. Chegando os servos do dono do campo, disseram-lhe: Senhor, não
semeaste boa semente no teu campo? Pois donde vem o joio? Respondeu-lhes: Homem
inimigo é quem fez isso. Os servos continuaram: Queres, então, que vamos
arrancá-lo? Não, respondeu ele; para que não suceda, que, tirando o joio, arranqueis
juntamente com ele também o trigo. Deixai crescer ambos juntos até à ceifa; e
no tempo da ceifa direi aos ceifeiros: ajuntai primeiro o joio e atai-o em
feixes para os queimar, mas recolhei o trigo no meu celeiro.” (Mateus, XIII; 24
- 30.) O homem tem sido, em todos os tempos, o eterno inimigo da Verdade. A
todos os jactas da Sua luz, opõe uma sombra para obscurecê-la ou desnaturá-la.
O joio está para o trigo, assim como o juízo humano está para as manifestações
superiores. Uma doutrina, por mais clara e pura que seja, no mesmo momento em
que é concedida ao homem, suscita inimigos que a trucidam, interesseiros e
interessados em manter a ignorância que a desvirtuam, revestindo-a de falsas
interpretações e desnaturando completamente sua essência puríssima! São como o
joio, que amesquinha, transforma, envenena e até mata o trigo! A Doutrina de
Jesus, embora de nitidez incomparável, de lógica e clareza sem igual, não podia
deixar de sofrer essa malsinada 25 “transubstanciação”, que a tornou esquecida
ignorada e incompreendida das gentes. Embora resumindo-se a Religião do Cristo
no amor a Deus e ao próximo, no merecimento pelo trabalho, pela abnegação,
pelas virtudes ativas, os sacerdotes dela fizeram um princípio de discórdia;
degeneraramna em partidos religiosos que se digladiam numa luta tremenda de
desamor, de ódio, de orgulho, de egoísmo, destruindo todos os princípios de
fraternidade estabelecidos pelo Cristo. Em vez da Religião Imaculada do Filho
de Maria, aparecem as religiões aparatosas de sacerdotes preconizando e
mantendo cultos pagãos, exterioridades grotescas, dogmas, mistérios, milagres,
exaltando o sobrenatural, escravizando a razão e a consciência das massas! Este
joio já agora de milênios, e que começou a surgir por ocasião da semeadura do bom
trigo, nasceu, cresceu, abafou a bendita semente porque, segundo diz a
parábola, quando o Cristo falou, os homens não lhe deram atenção, mas dormiram,
deixando de prestar o necessário raciocínio às suas palavras redentoras! E como
depois, pela mescla da Palavra do Cristo com as exterioridades com que a
revestiram, se fizesse confusão idêntica à do joio e do trigo, logo após
nascerem, o Senhor deliberou esperar a ceifa, quer dizer, o fim dos tempos, que
deveria apresentar o produto da sua Palavra e os resultados das religiões
sacerdotais, com as suas pompas, para que os ceifeiros ficassem encarregados de
Queimar o “joio” e recolher o “trigo” ao celeiro. É o que estamos fazendo, e
estes escritos elucidativos não têm por fim elucidar a Doutrina do Cristo, que
é toda Luz, mas queimar com a chama sagrada da Verdade, o joio malfazejo,
reduzi-lo a cinzas, a fim de que o Cristianismo domine, estabelecendo no
coração humano o amor a Deus e fazendo prevalecer o espírito de Fraternidade,
único capaz de resolver as questões sociais e estabelecer a paz no mundo.
26 PARÁBOLA DO GRÃO DE MOSTARDA
“O Reino dos Céus é semelhante a um grão de
mostarda que um homem tomou e lançou no seu campo; o qual grão é na verdade, a
menor de todas as sementes, mas depois de crescida é a maior das hortaliças e
faz-se árvore, de tal modo que as aves do céu vêm pousar nos seus ramos.” (Ma
teus, VIII, 31-32 – Marcos, IV, 30-32 – Lucas, 18-19.) Consideremos, aqui, o
Reino dos Céus como tudo o que está acima e abaixo, à direita e à esquerda de nós,
todo esse espaço imenso, infinito, incomensurável, onde se balançam os astros e
fulgem as estrelas (*); todo esse Éter que nos parece vazio, mas que, na
verdade, encerra multidões de seres e de mundos, onde se ostentam maravilhas da
Arte e da Ciência de Deus. (*) Vide também O Espírito do Cristianismo. Para
quem o vê da Terra, com os olhos da carne, parece o seu conhecimento
insignificante, como o é uma semente de mostarda. Mas, depois que o estudamos,
assim como depois que se planta a semente, nossa inteligência se dilata, como
se dilata a semente quando germina; transforma-se o nosso modo de pensar, como
sói acontecer à semente modificada já em erva; e o conhecimento do Reino dos
Céus cresce em nós como cresce a mostarda, a ponto de nos tornarmos um centro
de apoio em torno do qual voluteiam os Espíritos, bem assim os homens que
sentem a necessidade desse apoio moral e espiritual, da mesma forma que os
pássaros, para o seu descanso, procuram as arvores mais exuberantes para
gozarem a sombra benéfica das suas ramagens! O grão de mostarda serviu duas
vezes para as comparações de Jesus: uma vez comparou-o ao Reino dos Céus;
outra, à Fé. O grão de mostarda tem substância e uma semente faz efeito
revulsivo. Essa mesma substância se transforma em árvore; dá, depois, muitas
sementes e muitas árvores e até suas folhas servem de alimento. 27 Mas é
necessária a fertilidade da terra, para que trabalhe a germinação, haja
transformação, crescimento e frutificação do que foi semente; e é necessário, a
seu turno, o trabalho da semente e da planta no aproveitamento desse elemento
que lhe foi dado. Assim acontece com o Reino dos Céus na alma humana; sem o
trabalho dessa “semente”, que é feito pelos Espíritos do Senhor; sem o concurso
da boa vontade, que e a melhor fertilidade que lhe podemos proporcionar; sem o
esforço da pesquisa, do estudo, não pode aumentar e engrandecer-se em nós, não
se nos pode mostrar tal como é, assim como a mostarda não se transforma em
hortaliça sem o emprego dos requisitos imperiosos para essa modificação. A Fé é
a mesma coisa: parece-se com um grão de mostarda quando já é capaz de
“transportar montanhas”, mas a sua tendência é sempre para o crescimento, a fim
de operar mudança para campo mais largo, mais aberto, de mais dilatados
horizontes. A Fé verdadeira estuda, examina, pesquisa, sem espírito
preconcebido, e cresce sempre no conhecimento e na vivência do Evangelho de
Jesus. O Espiritismo, com seus fatos positivos, vem dar um grande impulso à Fé,
desvendando a todos o Reino dos Céus. Assim como o Reinado Celeste abrange o
infinito, a Fé é tudo e dela todos precisam para crescer no conhecimento da
Vida Eterna!
28 PARÁBOLA DO FERMENTO
“O
Reino dos Céus é semelhante ao fermento, que uma mulher tomou e escondeu em
três medidas de farinha, até ficar toda ela levedada.” (Mateus, XIII, 33 –
Lucas, XIII, 20-21.) Não há quem ignore o processo da panificação. Lança-se um
tanto de fermento na massa de farinha, mistura-se e espera-se que fique toda
levedada, para o que muito concorre o calor. Aparentemente, quem vê a massa não
diz que tem fermento; entretanto, depois de algumas horas, a própria massa
levedada acusa a presença do mesmo. Assim é o Reino dos Céus: o homem não se
pode transformar, de simples e ignorante, em elevado e sábio de um momento para
outro, como o levedo não transforma a farinha na mesma hora em que nela é
posto. Aos poucos, à medida que ouve a voz dos profetas, a palavra dos
emissários do Alto, a inteligência do homem se vai esclarecendo e o seu
Espírito se transforma: ele assimila o Reino dos Céus, que à prima facie lhe
pareceu um enigma, mas depois se lhe apresentou positivo, racional, lógico.
Quem diria que uma só medida de fermento, em três medidas de farinha, leveda a
mesma? preciso, porém, lembrar que o calor, não só na farinha para o pão, como
também no homem, para a transformação de Espíritos, é indispensável. E este
calor pode traduzir-se na atividade que empregamos para progresso que somos
chamados a conquistar.
29 PARÁBOLA DO TESOURO ESCONDIDO
“O
Reino dos Céus é semelhante a um tesouro que, oculto no campo, foi achado e
escondido por um homem, o qual, movido de gozo, foi vender tudo que possuía e
comprou aquele campo.” (Mateus, XIII, 44.) O homem tem resumido a sua tarefa na
Terra a procurar “tesouros”, a achar tesouros, a esconder tesouros, a vender o
que possui para comprar campos que tenham tesouros. Assim tem acontecido, assim
está acontecendo. Para que trabalha o homem, na Terra? Para que estuda? Para
que luta, a ponto de matar o seu semelhante? Para possuir tesouros! Jesus,
sabendo dos artifícios que o homem emprega na conquista dos tesouros, fez do
“tesouro escondido” uma parábola, comparando-o ao Reino dos Céus; fê-lo,
naturalmente, para que os que recebessem esses conhecimentos, também
empregassem todo o seu talento, todos os seus esforços, todo o seu trabalho,
toda a sua atividade, todos os seus sacrifícios, na conquista desse outro
“tesouro”, ao qual ele chamou imperecível, lembrando que “a traça e a ferrugem
não o corrompem, e os ladrões não o roubam”. O Reino dos Céus é um tesouro
oculto ao mundo, porque os grandes, os nobres, os guias e os chefes de seitas
religiosas não querem fazê-lo aparecer à Humanidade. Mas, graças à Revelação,
aos Ensinos Espíritas, aos Espíritos do Senhor, hoje é muito fácil ao homem achar
esse tesouro. Mais difícil lhe pode ser, “vender o que tem e comprar o campo”,
isto é, desembaraçar-se das suas velhas crenças, do egoísmo, do preconceito, do
amor aos bens terrestres, para possuir os bens celestes. 30 Materializado como
está, o homem prefere sempre os bens aparentes e perecíveis, porque os
considera positivos; os bens reais e imperecíveis ele os julga abstratos. A
Parábola do Tesouro Escondido é significativa e digna de meditação: o homem
terreno morre e fica sem seus bens; o homem espiritual permanece para a Vida
Eterna e o tesouro do céu, que ele adquiriu é de sua posse permanente.
“O
Reino dos Céus é semelhante a um negociante que buscava boas pérolas; e tendo
achado urna de grande valor, foi vender tudo o que possuía e a comprou.”
(Mateus, XIII, 45 – 46.) As pérolas constituem enfeites para a gente fina; são
raras, por isso são caras. Quem possui grandes e finas pérolas possui tesouro,
possui fortuna. Além disso, são jóias muito apreciadas no seu todo, pela sua
estrutura, pela sua composição. Os porcos não apreciam, as virtudes das
pérolas; preferem milho ou alfarrobas. Se lhes dermos pérolas, eles pisam-nas e
submergem-nas no lamaçal em que vivem; por isso disse Jesus: “Não deis pérolas
aos porcos.” Certamente já havia o Senhor do Verbo Divino comparado o Reino dos
céus a uma pérola de raro valor, quando propôs aquela recomendação a um
discípulo que deliberara anunciar a sua Doutrina a um homem-suíno. Na verdade,
há homens que são Homens, e há homens que se parecem muito com suínos. O suíno
vive exclusivamente para o estômago e para a lama. Os homens suínos também
vivem de lama e para o estômago. A estes as “pérolas” nada significam: as
alfarrobas melhor lhes sabem. O Reino dos Céus, nos tempos atuais, é incompatível
com o Reino do Mundo. Para a aquisição da pérola o homem vendeu tudo o que
possuía; para a aquisição da Pérola do Reino dos Céus o homem precisa vender o
Reino do Mundo. Há Reino do Mundo, e há Reino dos Céus. Aquele desaparece com
as revoluções, ao chamado da morte, ou o guante da miséria. 32 O Reino dos Céus
permanece na alma daquele que souber possuí-lo.
33 PARÁBOLA DA REDE
“Finalmente, o Reino dos Céus é semelhante a
uma rede, que foi lançada ao mar e apanhou peixes de toda espécie: e depois de cheia,
os pescadores puxaram-na para a praia; e sentados, puseram os bons em cestos,
mas deitaram fora os ruins. Assim será no fim do mundo: sairão os anjos e
separarão os maus dentre os justos, e lança-los-ão na fornalha do sofrimento;
ali haverá choros e ranger de dentes.” (Mateus, XIII, 47 – 50.) O fim do mundo
é o característico dos tempos em que estamos, destes tempos em que a própria fé
é encontrada com muita dificuldade nos corações; tempos em que a lealdade, a
sinceridade, a verdadeira afeição, o amor, a verdade, andam obscurecidas nas
almas; tempos de discórdias, de ódios, de confusão tal, que até os próprios
“escolhidos” periclitam (*). (*) Entende-se por escolhido aquele que, pela
vivência cristã, já se libertou em grande parte do reino do Mundo; não obstante
periclita, ainda pode cair, donde advertência do apostolo Paulo: “Aquele pois
que cuida estar em pé, olhe não caia” (I Coríntios, 10:12). É o fim do mundo
velho, é o advento do mundo novo; é uma fase que se extingue para dar lugar a
outra que vem nascendo. Não é o fim do mundo, como alguns o têm entendido, mas,
sim, o fim dos costumes com os seus usos, suas praxes, seu convencionalismo,
sua ciência, sua filosofia, sua religião. É uma fase do nosso mundo, que ficará
gravada nas páginas da História com letras indeléveis, encerrando um ciclo de
existência da Humanidade e abrindo outra página em branco mas trazendo no alto
o novo programa de Vida. A rede cheia de peixes de toda a espécie representa a
Lei Suprema, que, ministrada a todos, sem exceção, sejam gregos ou gentios, vem
trazendo ao Tribunal de Cristo gente de toda a espécie, bons, medianos e maus,
para serem julgados de acordo com as suas obras. 34 Os anjos são os Espíritos
Superiores, e quem está afeto o poder do julgamento; a fornalha de dor é o
símbolo dos mundos inferiores, onde os maus têm de se depurar entre lágrimas e
dores, para atingirem uma esfera melhor. Contudo, não se julgue que esta
parábola seja para os “outros”, que não os espíritas, ou os crentes no
Espiritismo. Parece-nos, até, que os afeta primeiro que a todos os demais, pois
que se acham dentro da rede tecida pela pregação dos Espíritos no mundo todo.
Quer dizer que não vale só conhecer, é preciso também praticar; não vale estar
dentro da rede; é indispensável ser bom! Os que conhecem o amor e não têm amor;
os que exigem a lealdade e a sinceridade, mas não as praticam; os que clamam
por indulgência e não são indulgentes; os que anunciam a humildade, mas se
elevam aos primeiros lugares, deixando o banco do discípulo para se sentarem na
cadeira do mestre; todos estes, e ainda mais os perjuros, os convencionalistas,
os tíbios e os subservientes, não poderão ter a cotação dos bons, dos humildes,
dos que têm o coração reto, dos que cultivam o amor pelo amor, a fé pelo seu
valor progressivo, e trabalham pela Verdade para terem liberdade. A Parábola da
Rede é a última da série das sete parábolas que o Mestre propôs a seus
discípulos; por isso o Apóstolo, ao publicá-la no seu Evangelho, conservou a
expressão que o Cristo lhe deu ao propô-la: Finalmente: Ela é a chave com que
Jesus quis fechar naqueles corações o ensino alegórico que lhes havia
transmitido, ensino bastante explicativo do Reino dos Céus com todas as suas
prerrogativas.
35 PARÁBOLA DA OVELHA PERDIDA “Que vos parece? Se um homem tem cem
ovelhas e uma delas se extravia, não deixa as noventa e nove e vai aos montes
procurar a que se extraviou? E se acontecer achá-la, em verdade vos digo que se
regozija mais por causa desta, do que pelas noventa e nove que não se extraviaram.
Assim não é da vontade do vosso Pai que está nos Céus que pereça nenhum desses
pequeninos.” (Mateus, XVIII, 12-14 – Lucas, XV, 3-7.) Esta imaginosa parábola
parece ser o solene protesto da má interpretação que os sacerdotes têm dado à
palavra do Cristo. Não há muito, escreveu-nos um padre romano ser estultícia
negar as penas eternas do Inferno, quando nos Evangelhos encontramos, no
mínimo, quinze vezes a confirmação dessa eternidade; e conclui que ela não é
ensino da Igreja, mas ensino do próprio Evangelho. Jesus previa certamente que
seus ensinos e pensamento íntimo seriam desnaturados pelos homens constituídos
em agremiações religiosas, e quis, de certa forma, deixar bem patente aos olhos
de todos que Ele não poderia ser Representante de um Deus que, proclamando o
amor e a necessidade indispensável do perdão cara remissão dos pecados,
impusesse, aos filhos por Ele criados, castigos infindáveis, eternos. A
parábola mostra bem claramente que as almas transviadas não ficarão perdidas no
labirinto das paixões, nem nas furnas onde medram os abrolhos. Como a ovelha
desgarrada, elas serão procuradas, ainda mesmo que seja preciso deixar de
cuidar daquelas que atingiram já uma altura considerável, ainda mesmo que as
noventa e nove ovelhas fiquem estacionadas num local do monte, os encarregados
do rebanho sairão ao campo em procura da que se perdeu. 36 O Pai não quer a
morte do ímpio; não quer a condenação do mau, do ingrato, do injusto, mas sim a
sua regeneração, a sua salvação, a sua vida, a sua felicidade. Ainda que seja
preciso, para a regeneração do Espírito, nascer ele na Terra sem mão ou sem pé
entrar na vida manco ou aleijado; ainda que lhe seja preciso renascer no mundo
sem os olhos, por causa dos “tropeços”, por causa dos “escândalos”, a sua
salvação é tão certa como a da ovelha que se havia perdido e lembrada na
parábola, porque todos esses pobres que arrastam o peso da dor, os seus guias e
protetores os assistem para conduzi-los ao porto seguro da eterna bonança.
Leitor amigo: quando vos falarem os sacerdotes, de Inferno eterno,
perguntai-lhes que relação tem a Parábola da Ovelha Perdida com esse dogma
monstruoso, que desnatura e inutiliza todos os atributos divinos.
37 PA RÁBOLA DO CREDOR INCOMPASSIVO
“Então Pedro, aproximando-se de Jesus lhe
perguntou: Senhor, quantas vezes pecará meu irmão contra mim, que lhe hei de
perdoar? Será até sete vezes? Respondeu-lhe Jesus: Não te digo que até sete
vezes, mas até setenta vezes sete vezes. “Por isso o Reino dos Céus é
semelhante a um rei, que resolveu ajustar contas com os seus servos. E tendo
começado a ajustá-las, trouxeram um que lhe devia dez mil talentos. Não tendo,
porém, o servo com que pagar, ordenou o seu Senhor que fossem vendidos ele, sua
mulher, seus filhos e tudo quanto possuía, e que se pagasse à dívida. “O servo,
pois, prostrandose, o reverenciava dizendo: Tem paciência comigo, que te
pagarei tudo! E o Senhor teve compaixão daquele servo, deixou-o ir e
perdoou-lhe a dívida. Tendo saído, porém, aquele servo, encontrou um de seus
companheiros, que lhe devia cem denários; e, segurando-o, o sufocava,
dizendo-lhe: Paga o que me deves! E este, caindo-lhe aos pés, implorava: Tem
paciência comigo, que te pagarei! Ele, porém, não o atendeu; mas foi-se embora
e mandou conservá-lo preso, até que pagasse a dívida. “Vendo, pois, os seus
companheiros o que se tinha passado, ficaram muitíssimo tristes, e foram contar
ao Senhor tudo o que havia acontecido. Então, o Senhor chamando-o, disse-lhe:
Servo malvado, eu te perdoei toda aquela dívida, porque me pediste; não devias
tu também ter compaixão do teu companheiro, como eu tive de ti? E irou-se o seu
Senhor e o entregou aos verdugos, até que pagasse tudo o que lhe devia. Assim
também meu Pai Celestial vos fará, se cada um de vós do íntimo do coração não
perdoar a seu irmão.” (Mateus, XVIII, 21 – 35.) No capítulo VI do Sermão do
Monte, segundo Mateus, versículo 5 a 15, ensinou Jesus a seus discípulos e à
multidão que se apinhava para ouvir os seus ensinos, a maneira como se deveria
orar; e aproveitou o 38 ensejo para resumir num excelente e substancioso
colóquio com Deus, a súplica que ao Poderoso Senhor devemos dirigir
cotidianamente. O Mestre renegava as longas e intermináveis rezas que os
escribas e fariseus do seu tempo proferiam, de pé nas sinagogas e nos cantos das
ruas, para serem vistos pelos homens. Observou a seus ouvintes que tal não
fizessem, mas que, fechada a porta do seu quarto, dirigissem, em secreto, a
súplica ao Senhor. A fórmula de oração que lhes deu encerra, ao mesmo tempo,
pedidos e compromissos que teriam de assumir os suplicantes, e dos quais se
destaca o que constitui objeto dos ensinos que se acham contidos na Parábola do
Credor Incompassivo: “Perdoa as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos
nossos devedores.” Do cumprimento ou não desta obrigação, depende o deferimento
ou indeferimento do nosso requerimento. Além disso, nesse dever se resume toda
a confissão, comunhão, extrema-unção, etc. Aquele que confessar, comungar,
receber a unção, mas não perdoar os seus devedores, não será perdoado; ao passo
que, o que perdoar será imediatamente perdoado, independentemente das demais
praxes recomendadas pela Igreja de Roma, ou quaisquer outras Igrejas, como meio
de salvação. Acontece ainda que o perdão, conforme o Cristo ensinou a Pedro,
deve ser perpétuo, e não concedido uma, duas, ou sete vezes. Daí vem a Parábola
explicativa da concessão que devemos fazer ao nosso próximo, para podermos
receber de Deus o troco na mesma moeda. Vemos que o primeiro servo a chegar foi
justamente o que mais devia: 10.000 talentos! Soma fabulosa naquele tempo, para
um trabalhador, não só naquele tempo como também hoje, pois valendo cada
talento Cr$ 1.890,00 em moeda brasileira, 10.000 atingia a respeitável soma de
Cr$ 18.900.000,00 (dezoito milhões e novecentos mil cruzeiros.) Se algum servo,
que só tivesse mulher, filhos e alguns haveres ficasse devendo essa 39
importância para o Vaticano, depois de entregue ao braço forte seria
irremissivelmente condenado às penas eternas do Inferno! Jesus escolheu mesmo
essa quantia avultada para melhor impressionar seus ouvintes sobre a bondade de
Deus e a natureza da doutrina que em nome do Senhor estava transmitindo a
todos. Nenhum outro devedor foi lembrado na Parábola, porque só o primeiro era
bastante para que se completasse toda a lição. Pois bem, esse devedor, vendo-se
ameaçado de ser vendido com ele sua mulher e seus filhos, sem eximir-se do
pagamento, pediu moratória, valendo-se da benevolência do rei; este, cheio de
compaixão, perdoou-lhe a dívida, isto, suspendeu as ordens que havia dado para
que tudo quanto possuía, mulher, filhos e o mesmo servo, fosse vendido para
pagamento, visto como ele se propunha a pagar com prazo. Mas, continua a
parábola, aquele devedor, que havia recebido o perdão, logo ao sair encontrou
um de seus companheiros que lhe devia cem denários, ou seja Cr$ 31,50 da nossa
moeda, verdadeira bagatela que para ele, homem devedor de aproximadamente 19
milhões de cruzeiros, por certo nada representava; e exigiu do devedor,
violentamente, o seu dinheiro! Ao desdobrar-se àquela cena, os seus
companheiros que haviam presenciado tudo o que se passara, indignaram-se e
foram contar ao rei o acontecido. Dai a nova resolução do Senhor: entregou o
servo malvado aos verdugos, a fim de que o fizessem trabalhar à força, até que
lhe pagasse tudo o que lhe devia. Esta última condição é também interessante:
paga a dívida, recebe o devedor a quitação; o que quer dizer: sublata causa,
tolitur effectus. A dívida deve forçosamente constar de um certo número de
algarismos; subtraídos estes por outros tantos semelhantes, o resultado há de
ser 0. 40 Quem deve 2 e paga 2, nada fica devendo; quem deve dezoito milhões e
novecentos mil cruzeiros e paga dezoito milhões e novecentos mil cruzeiros, não
pode continuar a ficar pagando dívida. Isto é mais claro que água cristalina.
Termina Jesus a Parábola afirmando: “Assim também meu Pai Celestial vos fará,
se cada um de vós do íntimo do coração não perdoar a seu irmão”. Sem dúvida, é
tão difícil a um pecador pagar dezoito milhões e novecentos mil pecados, como a
um trabalhador pagar dezoito milhões e novecentos mil cruzeiros. Mas, tanto um
como o outro têm a Eternidade diante de si; o que não se pode fazer numa
existência, far-se-á em duas, vinte, cinqüenta, far-se-á na Outra Vida, em que
o Espírito não está inativo. Tudo isso está de acordo com a bondade de Deus,
aliada à sua justiça; o que não pode ser é o indivíduo pagar eternamente e
continuar a pagar, depois de já ter pago. A lei do perdão é inflexível, reina
no Céu tal como a prescreveu na Terra o Mestre Nazareno, cujo Espírito, alheio
aos princípios sacerdotais, aos dogmas e mistérios das Igrejas, deve ser
ouvido, respeitado, amado e servido.
41 PARÁBOLA DOS TRABALHADORES DA VINHA
“Porque o Reino dos Céus é semelhante a um
proprietário, que saiu de madrugada a assalariar trabalhadores para a sua
vinha. E feito com os trabalhadores o ajuste de um denário por já, mandou-os
para a sua vinha. Tendo saído cerca da hora terceira, viu estarem outros na
praça desocupados, e disse-lhes: de também vós para a minha vinha, e vos darei
o que for justo. E eles foram. Saiu outra vez cerca da hora sexta, e da nola, e
fez o mesmo. E cerca da undécima, saiu e achou outros que lá estavam e
perguntou-lhes: Por que estais aqui todo o ia desocupados? Responderam-lhe:
Porque ninguém nos assalariou. Disse-lhes: Ide também para a minha vinha. A
tarde, disse o dono da vinha ao ser administrador: Chama os trabalhadores e
paga-lhes o salário, começando pelos últimos e acabando pelos primeiros. Tendo
chegado os que tinham sido assalariados cerca da undécima hora, receberam um
denário cada um. E vindo os primeiros, pensavam que haviam de receber mais;
porém, receberam igualmente um denário cada um. Ao receberem-no, murmuravam
contra o proprietário, alegando: Estes últimos trabalharam somente uma hora, e
os igualaste a nós, que suportamos o peso do dia e o calor extremo! Mas o
proprietário disse a um deles: Meu amigo, não te faço injustiça; tão ajustaste
comigo por um denário? Toma o que é teu e vai embora, pois quero dar a este
último tanto como a ti. Não me é licito fazer o que me apraz do que é meu?
Acaso o teu olho é mau, porque eu sou bom? Assim os últimos serão os primeiros,
os primeiros serão os últimos.” (Mateus XX, 1 – 16.) As condições essenciais
para os trabalhadores são: a constância, o desinteresse, a boa vontade e o
esforço que azem no trabalho que assumiram. Os bons trabalhadores e distinguem
por estes característicos. O mercenário trabalha pelo dinheiro; seu único fito,
sua única aspiração é receber o salário. O verdadeiro operário, o artista,
trabalha por 42 amor à Arte. Assim é em todas as ramificações dos conhecimentos
humanos: há os escravos do dinheiro e há o operário do progresso. Na lavoura,
na indústria, como nas Artes e Ciências, destacam-se sempre o operário e o
mercenário. O materialismo, a materialidade, a ganância do ouro arranjaram, na
época em que nos achamos, mais escravos do que a Vinha arranjou mais obreiros.
Por isso, grande é a seara e poucos são os trabalhadores! Na Parábola, pelo que
se depreende, não se faz questão da quantidade do trabalho, mas sim da
qualidade, e, ainda mais, da permanência do obreiro até o fim. Os que
trabalharam na Vinha, desde a manhã até à noite, não mereceram maior salário
que os que trabalharam uma única hora, dada a qualidade do trabalho. Os que
chegaram por último, se tivessem sido chamados à hora terceira teriam feito,
sem dúvida, o quádruplo do que fizeram aqueles que a essa hora foram para o
serviço. Daí a lembrança do Proprietário da Vinha de pagar primeiramente os que
fizeram aparecer melhor o serviço e mais desinteressadamente se prestaram ao
trabalho para o qual foram chamados. Esta Parábola, em parte, dirige-se muito
bem aos espíritas. Quantos deles por ar andam, sem estudo, sem prática, sem
orientação, fazendo obra contraproducente e ao mesmo tempo abandonando seus
interesses pessoais seus deveres de família, seus deveres de sociedade! Na
Seara chega-se a encontrar até os vendilhões que apregoam sua mercadoria pelos
jornais como o mercador na praça pública, sempre visando bastardos Interesses.
Ora são médiuns mistificadores que exploram a saúde pública; ora são “gênios”
capazes de abalar os céus para satisfazerem a curiosidade dos ignorantes. Enfim
são muitos os que trabalham, mas poucos os que ajuntam, edificam, tratam, como
devem, a Vinha que foi confiada à sua ação. 43 Há uma outra ordem de espíritas
que nenhum proveito tem dado ao Espiritismo. Encerram-se entre quatro paredes,
não estudam, não lêem, e passam a vida a doutrinar espíritos. Não há; dúvida de
que trabalham estes obreiros; mas, pode-se comparar a sua obra com a dos que se
expõem ao ridículo, ao ódio, à injúria, à calúnia, no largo campo da
propaganda? Podem-se comparar os enclausurados numa sala, fazendo trabalhos
secretos e às mais das vezes improfícuos, com os que sustentam, aqui fora,
renhida luta e se batem, a peito descoberto, pelo triunfo da causa que
desposaram? Finalmente, a Parábola conclui com a lição sobre os olhos maus: os
invejosos que cuidam mais de si próprios que da coletividade; os personalistas,
os egoístas que vêem sempre mal as graças de Deus em seus semelhantes, e a
querem todas para si. Na História do Cristianismo realça a Parábola da Vinha
com os característicos dos seus obreiros. “O que era é o que é”, diz o
Eclesiastes; e o que se passou é o que se está passando agora com a Revelação
Complementar do Cristo. Há os chamados pela madrugada, há os que chegaram à
hora terceira, à hora sexta, a nona e a undécima. Na verdade estamos na hora
undécima e os que ouvirem o apelo e souberem trabalhar como os da hora undécima
de outrora, serão os primeiros a receber o salário, porque agora como então, o
pagamento começará pelos últimos. Ai dos que clamarem contra a vontade do
Senhor da Vinha! Ai dos malandros, dos mercenários, dos inscientes!.
44 PARÁBOLA DA FIGUEIRA ESTÉRIL
“Pela manhã, ao voltar Jesus à cidade, teve
fome. E vendo uma figueira à beira do caminho, dela se aproximou, e não achou
nela senão folhas; e disse-lhe: Nunca jamais nasça de ti frutos, no mesmo
instante secou a figueira. E vendo isto os seus discípulos maravilharam-se e
perguntaram: Como é que repentinamente secou a figueira? Respondeulhes Jesus:
Em verdade vos digo que se tiverdes fé e não duvidardes, fareis não só o que
foi feito à figueira, mas até se disserdes a este monte: Levanta te e lança-te
ao mar, isto será feito; e tudo o que, com fé, pedirdes em vossas orações,
haveis de receber.” (Mateus, XXI 18-22. – Lucas, XIII, 6-9.) Magnífica
parábola! Estupendo ensinamento! Qual lições aprendemos nestes poucos versículos
do Evangelho! Se encararmos a narrativa pelo lado científico, observaremos a
morte de uma árvore em virtude de uma grade descarga de fluidos magnéticos, que
imediatamente secaram a mesma. A Psicologia Moderna, com suas teorias
edificantes e substanciosas, e com seus fatos positivos, mostra-nos o poder do
magnetismo que utiliza os fluidos do Universo para destruir, conservar e
vivificar. A cura das moléstias abandonadas pela Ciência Oficial e a
mumificação de cadáveres, pelo magnetismo, se acham registrados nos anais da
História, não deixando mais dúvida a esse respeito. No caso da figueira não se
trata de uma conservação mas, ao contrário, de uma destruição, semelhante à
destruição das células prejudiciais e causadoras de enfermidades, como na cura
dos dez leprosos, e outras narradas pelos Evangelhos. A figueira não dava fruto
porque sua organização celular era insuficiente ou deficiente, e Jesus,
conhecendo se mal, quis dar uma lição 45 a seus discípulos, não só para lhes ensinar
a terem fé, mas também para lhes fazer ver que os homens e as instituições
infrutíferas, como aquela árvore, sofreriam as mesmas conseqüências. Pelo lado
filosófico, realça da parábola a necessidade indispensável da prática das boas
obras, não só pelas Instituições, como pelos homens. Um indivíduo, por mais bem
vestido e mais rico que seja, encaramujado no seu egoísmo, é semelhante a uma
figueira, da qual, em nos aproximando, não vemos mais que folhas. Uma
instituição, ou uma associação religiosa, onde se faça questão de estatuto, de
cultos, de dogmas, de mistérios, de ritos, de exterioridades, mas que não
pratique a caridade, não exerça a misericórdia; não dê comida aos famintos,
roupa aos nus, agasalho e trato aos doentes; não promova a propaganda do amor
ao próximo, da necessidade do erguimento da moral, do estabelecimento a
verdadeira fé, essa instituição ou associação, embora tenha nome de religiosa,
embora se diga a única religião fora da qual não há salvação (como acontece com
o Catolicismo de Roma), não passa de uma “figueira enfolhada, mas, sem frutos”
O de que precisamos da árvore são os frutos. O de que precisamos da religião
são as boas obras. Os dogmas só servem para obscurecer a inteligência; os
sacramentos, para falsear os ensinos do Cristo; as festas, passeatas, procissões,
imagens, etc., para consumir dinheiro em coisas vãs e iludir o povo, com um
culto que foi condenado pelos profetas dos tempos antigos, no Velho Testamento,
e por Jesus Cristo, no Novo Testamento. A Religião do Cristo não é a religião
das “folhas” mas, sim, a dos frutos! A Religião do Cristo não consiste nesse
ritual usado pelas religiões humanas. A Religião do Cristo é a da Caridade, é a
do Espírito é a da Verdade! 46 A fé que o Cristo preconizou, não foi,
portanto, a fé em dogmas católicos ou protestantes, mas, sim, a fé na Vida
Eterna, a fé na existência de Deus, a fé, isto é, a convicção da necessidade da
prática da Caridade! Aquele que tiver essa fé, aquele que souber adquiri-la,
tudo o que pedir em suas orações, sem dúvida receberá, porque limitará seus
pedidos àquilo que lhe for de utilidade espiritual, assim como se tornará apto
a secar figueiras, dessas figueiras que perambulam nas ruas seguidas de meia
dúzia de bajuladores; dessas figueiras, como as religiões sem caridade, que
iludem incautos com promessas ilusórias, e com afirmações temerosas sobre os
destinos das almas. A figueira sem frutos é uma praga no reino vegetal, assim
como os egoístas e avarentos são pragas na Humanidade, e as religiões humanas
são pragas prejudicialíssimas à Seara do Senhor. Não dão frutos; só contêm
folhas. *** Estudada pelo lado científico, a parábola é um portento, porque, de
fato, Jesus, com uma palavra, fez secar a figueira. Nenhum sábio da Terra é
capaz de imitar o Mestre! Encarada pelo lado filosófico, a lição da figueira
que secou é um aviso do que vai acontecer aos homens semelhantes à figueira sem
frutos; e às religiões que igualmente só têm folhas! Nesta Parábola aprende-se
ainda que a esterilidade, parece, é mal inevitável! Em todas as manifestações
da natureza aqui e ali, se vê a esterilidade como que desnaturando a criação ou
transviando a obra de Deus! Nas plantas, nos animais, nos humanos, a
esterilidade e é a nota dissonante, que estorva a harmonia universal. Na
Ciência, na Religião, na Filosofia, até na Arte e a Mecânica, o ferrete da
esterilidade não deixa de gravar o seu sinal infamante! 47 Acontece, porém, que
chegado o tempo propício, a obra estéril desaparece para não ocupar inutilmente
o campo de ação onde se implantou. A figueira estéril da Parábola é a
exemplificação de todas essas manifestações anômalas que se desdobram às nossas
vistas. Para não sair do tema em que devemos permanecer constitui o objeto
deste livro, vamos comparar a figueira estéril com as Ciências humanas e as
religiões sacerdotais A primeira vista não parece ao leitor que a Parábola
adapta perfeitamente a estas manifestações do pensamento absoluto e
autoritário? Vemos uma árvore, reconhecemos nessa árvore uma figueira; está bem
entroncada, bem enfolhada, bem adubada, vamos procurar figos e nem uma fruta
encontramos! Vemos uma segunda “árvore”, que deve ser a da Vida, reconhecemos
nela uma religião que já permanece há muitos anos e vem sendo transmitida de
geração a geração; procuramos nela verdades que iluminem, consolos que fortifiquem,
ensinos que instruam, fatos que demonstrem, e nada disso achamos, a despeito da
grande quantidade de adubo que lançam em redor dessa mesma “árvore”! O que
falta ao Catolicismo Romano para assim se encontrar desprovido de frutos?
Faltam-lhe porventura igrejas, fiéis, dinheiro, livros, sabedoria? Pois não tem
ele seus sacerdotes no mundo todo, suas catedrais pomposas, seus templos? Não
tem elo com o seu papa a maior fortuna que há no mundo, completamente estéril,
quando deveria converter esses tesouros, que os ladrões alcançam, naquele outro
tesouro do Evangelho, inatingível aos ladravazes e aos vermes? Não tem ele
milhões e milhões de adeptos que sustentam toda a sua hierarquia? 48 Por que
não pode a Igreja dar frutos demonstrativos do verdadeiro amor, que é imortal?
Por que não pode demonstrar a imortalidade da alma, que é a melhor caridade que
se pode praticar? E o que diremos dos seus ensinos arcaicos e irrisórios,
semelhantes às folhas enferrujadas de uma figueira velha? do seu dogma do Inferno
eterno; do seu artigo de fé sobre a existência do Diabo; dos seus sacramentos e
mistérios tão caducos e absurdos, que chegam a fazer de Deus um ente
inconcebível e duvidoso?! E assim como é a religião, é a ciência de homens,
desses mesmos homens que, embora completamente divergentes dos ensinos
religiosos dos padres, por preconceito e por servilismo andam com eles de
braços dados, como se cressem na “fé” pregada pelos sacerdotes! Essa ciência
terrena que todos os dias afirma e todos os dias se desmente! Essa ciência que
ontem negou o movimento da Terra e hoje o afirma; que preconizou a sangria para
depois condená-la; que proclamou as virtudes do emético para anos depois
execrá-lo como um deprimente; que hoje, de seringa em punho, transformou o
homem num laboratório químico, para, amanhã ou depois, condenar como desumano
esse processo! E o que falta à Ciência para solucionar esse problema da morte,
que lhe parece como fantasma funesto? Faltar-lhe-á “adubo”? Mas não estão aí
tantos sábios? não tem ela recursos disponíveis para investigação e
experiência? não lhe aparecem a todos os momentos fatos e mais fatos de ordem
supra-materiais, meta-materiais para serem estudados com método? Senhor! Está
vencido o ano que concedeste para que cavássemos em roda da “árvore” e
deitássemos adubo para alimentar e fortificar suas raízes! Ela não dá mesmo
frutos e os adubos que temos gasto só têm servido para tornar a árvore cada vez
mais frondosa e enfolhada, prejudicando assim o já pequeno espaço de terreno!
Manda cortá-la e recomenda a teus servos que não só o façam, mas que também lhe
arranquem as raízes! Ela ocupa terreno inutilmente. 49 Em três dias faremos
nascer em seu lugar uma que preencha os seus fins, e tantos serão seus frutos
que a multidão que nos rodeia não vencerá apanhá-los! *** A esterilidade é mal
incurável, que se manifesta nas coisas físicas e metafísicas. Há pessoas que
são estéreis em sentimentos afetivos, outras em atos de generosidade, outras o
são para as coisas que afetam a inteligência. Por mais que se ensinem, por mais
que se exaltem, por mais que se ilustrem, as mesmas, permanecem como a figueira
da Parábola: não há esterco, não há adubos, não há orvalho, não há água que as
façam frutificar! Estas, só o fogo tem poder sobre elas!
50 PARÁBOLA DOS DOIS FILHOS
“Um
homem tinha dois filhos: chegando ao primeiro, disse: Filho, vai trabalhar hoje
na minha vinha. Ele respondeu: Irei, Senhor; e não foi. E chegando ao segundo,
disse-lhe o mesmo. Porém este respondeu: Não quero; mais tarde, tocado de
arrependimento, foi. Qual dos dois fez a vontade do Pai? Responderam eles o
segundo. Declarou-lhes Jesus: Em verdade vos digo que os publicanos e as
meretrizes entrarão primeiro que vós no Reino de Deus.” (Mateus, XXI, 28–31.)
Estas duas personalidades revelam perfeitamente as suas qualidades em suas
palavras e ações. O primeiro filho, convidado pelo Pai a trabalhar na sua
vinha, disse que ia mas não foi. O segundo disse que não ia, mas foi. O
primeiro é a personificação da crença (credo) sem obras. O segundo é o tipo do
homem inteligente que, negando-se ao trabalho espiritual, depois de haver
raciocinado e tirado suas conclusões, transformou o não em sim, não com a
palavra abstrata, a crença, a obediência cega, mas por um esforço intelectual e
pelas obras que deliberou fazer, “trabalhando na vinha”. Ensina esta Parábola
que a vontade de Deus é que trabalhemos não só em proveito nosso, mas em
proveito dos nossos semelhantes: ao passo que não é vontade de Deus crermos sem
trabalho, isto é, cegamente, sem obras. A crença cega é a crença dos anciãos do
Povo, dos velhos rotineiros e dos sacerdotes, pois são estes que Jesus disse
que os publicanos e as meretrizes lhes eram ainda superiores, tanto assim que
os precederiam no Reino dos Céus. A Parábola, na parte que se refere ao filho
que disse: “irei, mas não foi”, entende também com esses anciãos e sacerdotes
que, assumindo a tarefa de guiar para a verdade, os moços e os que lhes estão
51 sujeitos, se mantêm num exclusivismo condenável, apagando, até das almas,
alguma centelha de fé que lhes foi doada. Enfim, o filho que tardou, e disse
que não ia, mas foi — entende com esses publicanos e meretrizes que demoram,
como é sabido, mas, afinal, mudam de vida e se tornam, as mais das vezes,
grandes obreiros da Seara Divina!
52 PARÁBOLA DOS LAVRADORES MAUS OU DOS
RENDEIROS INFIÉIS
“Havia um proprietário que plantou uma vinha,
cercou-a com uma sebe, cavou aí um lagar, edificou uma torre e arrendou-a a uns
lavradores e partiu para outro país. Ao aproximar-se o tempo dos frutos, enviou
seus servos aos lavradores, para receber os frutos que lhe tocavam. Estes,
agarrando os servos, feriram um, mataram outro e a outro apedrejaram. Enviou
ainda outros servos em maior número; e trataram-nos do mesmo modo. Por último,
enviou-lhes seu filho, dizendo: Terão respeito ao meu filho. Mas, os
lavradores, vendo-o, disseram entre si: este é o herdeiro; vinde, matemo-lo e
apoderemo-nos da sua herança: e, agarrando-o, lançaram-no fora da vinha e
mataram-no. Quando, pois, vier o Senhor da vinha, que fará àqueles lavradores?
Responderam-lhe: Fará perecer horrivelmente a estes malvados, e arrendará a
vinha a outros, que lhe darão os frutos no tempo próprio.” (Mateus, XXI, 33 –
42. – Marcos, XII, 1 – 9 – Lucas, XX, 9 – 16.) A Parábola acima é a prova da inigualável
presciência do Filho de Deus, assim como é a magistral sentença que se havia de
cumprir no nosso século contra os “rendeiros infiéis”, que têm devastado a
nossa seara. Um proprietário plantou uma vinha, cercou-a com um tapume feito de
ramos e troncos de árvores; assentou um lagar (local com todos os petrechos
para a fabricação de vinho) e edificou uma “torre” (grande edifício com
proteção contra os ataques inimigos). De maneira que a fazenda estava completa,
tudo preparado: terras de sobra, parreiras em grande quantidade, lagar,
tanques, tonéis — tudo o que era preciso para a fabricação do vinho. Casa de
moradia com toda a comodidade e conforto” Mas, tendo de ausentar-se o
proprietário, arrendou a herdade a uns lavradores; no tempo da colheita dos frutos
53 mandaria receber o produto do arrendamento, ou seja, os frutos que lhe
tocavam” O contrato foi passado e muito bem redigido: selado, registrado e com
as competentes testemunhas. Por ocasião da primeira colheita, o Senhor da vinha
mandou que seus empregados fossem receber os frutos que lhe tocavam. Os
rendeiros, em vez de darem conta do depósito; que lhes fora confiado, agarraram
os emissários, feriram um, apedrejaram outro e mataram o seguinte. Na outra
colheita, o proprietário da herdade tornou a mandar outros emissários, que
tiveram a mesma sorte dos primeiros. Vendo o dono da herdade o que acontecera
com seus emissários, julgou mais acertado delegar poderes ao próprio filho,
porque, com certeza, os respeitariam, e o enviou a ajustar contas com os
arrendatários”. Mas os lavradores, em vendo este chegar à propriedade,
combinaram entre si e deliberaram matá-la, porque, diziam; “este é o herdeiro,
vinde, matemo-lo e apoderemo-nos da sua herança”. E assim fizeram: tiraram-no
fora da vinha e o mataram”. “Quando chegar o Senhor da Vinha, o que fará
àqueles lavradores?” — perguntou Jesus ao propor a parábola. E a resposta veio
em seguida: “Fará perecer os malvados, os arrendatários dolosos, e entregará a
vinha a outros, que lhe darão os frutos em tempo próprio.” *** Parábola é a
exposição ou a pintura de uma coisa em confronto com outra de relação remota,
ou de sentido oculto ou invisível. Jesus tinha por costume, para explicar
aquilo que escapa à compreensão vulgar, usar das parábolas, a fim de se tornar
mais compreendendo. 54 Nesta Parábola dos Lavradores Maus, rendeiros infiéis,
quis Jesus explicar a soberania da ação divina que às vezes tarda, mas não
falha; e quis ainda mostrar a seus discípulos quem são os lavradores que
prejudicam a sua seara. *** A seara é a Humanidade; o proprietário é Deus; a
vinha que ele plantou é a Religião; o lagar são os meios de purificação
espiritual que ele concede; a Casa que edificou é o mundo, os lavradores que
arrendaram a lavoura são os sacerdotes de todos os tempos, desde os antigos que
sacrificavam o sangue dos animais, até os nossos contemporâneos. Os primeiros
servos que foram feridos, apedrejados e sacrificados, são os profetas da
Antiguidade, que passaram por duras provações: Elias, Eliseu, Daniel, que foi
posto na cova dos leões; o próprio Moisés, que sofreu com os sacerdotes do
Faraó e com os israelitas fanatizados que chegaram a fundir um bezerro de ouro
para adorar, contra a Lei do Senhor; depois veio João Batista, que foi
degolado; e depois outros servos, que passaram pelos mesmos sofrimentos dos
primeiros — apóstolos e profetas como Estevão, que foi lapidado; Paulo, Pedro,
João, Tiago, que sofreram martírios, e todos os demais que não têm acompanhado
as concepções sacerdotais. O Filho do Proprietário, que foi morto pelos
rendeiros que se apossaram da sua herança, é Jesus Cristo, Senhor Nosso, que
sofreu o martírio ignominioso da cruz. E, de acordo com as previsões da
Parábola, os tais sacerdotes se apossaram da herança com a qual se locupletam
fartamente, deixando a Seara abandonada e a Vinha sem frutos para o
Proprietário. Nas condições em que se acha a Seara, poderá o Senhor deixar a
sua Vinha entregue a essa gente, a esses rendeiros inescrupulosos e maus? 55
Estamos certos de que se cumprirá brevemente a última previsão da Parábola: “O
Senhor tomará a Vinha desses malvados e a arrendará a outros, que lhe darão os
frutos no tempo próprio”. *** A confusão religiosa é a mais espessa escuridão
que infelicita as almas. A crença é como o fruto da videira que alimenta,
encoraja e vivifica. Assim como este alimenta o corpo, aquela alimenta alma. A
Religião de Jesus Cristo não é o culto, as exterioridades, os sacramentos, a fé
cega; também não é o fogo que aniquila e consome o mal que vence o bem, o Diabo
que vence a Deus. A Religião de Jesus Cristo é o bálsamo que suaviza, é a
caridade que consola, é o perdão que redime, é a luz que ilumina; não é o
aniquilamento, mas a Vida não é o corpo mas, sim, o Espírito. A Religião de
Jesus Cristo deve, pois, ser ministrada em espírito e verdade e não em dogmas e
com exterioridades aparatosas, para que possa ser compreendida, observada e
praticada pelo Espírito. O corpo é nada; o Espírito é tudo. O corpo existe
porque o Espírito aciona; o vivifica e o movimenta. No dia em que o Espírito
dele se separa, nenhuma vida mais resta a esse invólucro, a esse instrumento.
Que é o violino sem o músico? Que é o relógio sem que se lhe dê corda? Que é a
máquina sem maquinista? O corpo sem o Espírito é morto e se desagrega, como uma
casa que cai e se converte em escombros. O corpo “pulvis est et in pulveris
reverteris”. E se assim é, qual o efeito dos sacramentos e práticas sibilinas
que não atingem o Espírito? O princípio da Religião é a Imortalidade e os
rendeiros da Vinha têm por dever salientar e demonstrar este princípio, para
que o Templo da 56 Religião, assentado sobre esta base inamovível, abrigue com
a Verdade os corações que desejam a paz e a felicidade. Os pastores e os
sacerdotes, “arrendatários da Vinha”, “maus obreiros” que conspurcam os
sentimentos cristãos, transformando a Religião de Jesus em missas, imagens,
procissões, aparatos, músicas, girândolas e sacramentos, serão chamados às
contas e o látego da Verdade desde já os vem expulsando da herdade, que será
entregue a outros, para que os frutos da Vinha sejam dados aos famintos de
justiça, aos deserdados de consolação, aos que procuram a luz que encaminha e
conduz à perfeição. Desde tempos que vão longe, a Religião tem sido causa de
abjeta exploração. O sacerdócio, por várias vezes, tem feito periclitar o
sentimento religioso. A desgraça da Religião tem sido, em todas as épocas, o
padre. O padre hebreu, o padre egípcio, o padre budista, o padre brâmane;
sempre o padre, a corporação eclesiástica, com toda a sua hierarquia, a sua
escolástica, os seus princípios rígidos, os seus cultos aparatosos, os seus
sacramentos arcaicos. O sacerdócio, tornando-se arrendatário da Vinha, como tem
acontecido, só conhece um “deus” a quem obedece cegamente: “deus” constituído
eclesiasticamente e tirado ou escolhido de um dos seus próprios membros. Todas
as religiões têm tido e continuam a ter o seu papa, o seu maioral, o seu
patriarca, o seu chefe a quem todos prestam obediência em detrimento do Supremo
Senhor e Criador. Daí a luta cruenta que o sacerdotalismo tem desenvolvido
contra os profetas em todas as épocas. Esta Parábola é a comparação de todas as
lutas que os gênios, os grandes missionários, os profetas que falam em nome da
Divindade e da Religião, têm sustentado contra a cleresia. Desde que o Grande
Proprietário plantou na Terra a sua Vinha; desde que fez brilhar no mundo o Sol
vivificador da Religião, cercando a Vinha com uma sebe, aí estabelecendo um
lagar e edificando uma torre; desde que os princípios religiosos foram
estabelecidos e ficaram gravados nos 57 Códigos dos divinos preceitos, os
lavradores maus dela se apoderaram como rendeiros relapsos, deixando perecer as
videiras e massacrando os enviados que em nome do Senhor lhes vinham pedir ou
reclamar, como o fazemos hoje, os frutos da Vinha! Os servos do Proprietário da
Lavoura eram presos, feridos e mortos. A pretexto de heresia e apostasia,
queimaram corpos como quem queima lenha seca e verde; infligiram-lhes os mais
duros suplícios, tisnando de sangue as páginas da História do nosso mundo. Nem
o Filho de Deus, cuja parábola premonitória de morte acabamos de ler, nem Ele
foi poupado pela classe sacerdotal, que tinha por Pontífices Anás e Caifás, em
conluio com os governos da época. A classe sacerdotal, que nada fez à
Humanidade e ainda fascinou os homens com os seus cultos aparatosos e seus
dogmas horripilantes, é precisamente o que constitui, em sua linha geral, os
“lavradores maus” da parábola. Estão eles muito bem representados nesses
obreiros fraudulentos e mercenários que proliferam no mundo todo, vendendo a
fé, a salvação, as graças. Que fará o Proprietário da Vinha a tão maus
obreiros? O resultado não pode ser outro: “fa-los-á perecer, tirar-lhes-á o
poder que lhes concedeu e a entregará a outros, que darão os frutos no tempo
próprio.” Felizmente chegou também a época da realização da premonição do
Cristo exarada nos Evangelhos. Os Espíritos da Verdade baixam ao mundo, uns
tomam um invólucro carnal, e outros, através do véu que separa as duas vidas,
vêm se apossar da Vinha, para que ela dê os resultados designados pelo Senhor
de Todas as coisas. O sacerdócio cai, mas a Religião prossegue; os dogmas são
abatidos, mas a Verdadeira Fé aparece, robustecendo consciências, consolando
corações, e, principalmente, fazendo raiar na Terra a aurora da 58
Imortalidade, para realçar o Deus Espírito, o Deus Justo, o Deus Poderoso e
Sábio que reina em todo o Universo.
59 PARÁBOLA DAS BODAS
“De
novo começou Jesus a falar em parábolas, dizendo-lhes: o Reino dos Céus é
semelhante a um rei, que celebrou as bodas de seu filho. E enviou os seus
servos a chamar os convidados para a festa, e estes não quiseram vir. Enviou
ainda outros servos com este recado: Dizei aos convidados: Tenho já preparado o
meu banquete; as minhas reses e os meus cevados estão mortos, e tudo está
pronto; vinde às bodas. Mas eles não fizeram caso e foram, um para o seu campo,
outro para o seu negócio; e os outros agarrando os servos os ultrajaram e
mataram. Mas irou-se o rei, e mandou as suas tropas exterminar aqueles
assassinos e incendiar a sua cidade. Então disse aos servos: As bodas estão
preparadas, mas os convidados não eram dignos; ide, pois, às encruzilhadas dos
caminhos, e chamai para as bodas a quantos encontrardes. Indo aqueles servos
pelos caminhos, reuniram todos os que encontraram, maus e bons; e a sala
nupcial ficou cheia de convivas. Mas, entrando o rei para ver os convivas,
notou ali um homem que não trajava veste nupcial e perguntou-lhe: Amigo, como
entraste aqui sem veste nupcial? Ele, porém, emudeceu. Então o rei disse aos
servos: atai-o de pés e mãos e lançai-o nas trevas exteriores; ali haverá choro
e ranger de dentes. Porque muitos são chamados, mas poucos escolhidos.”
(Mateus, XXII, 1 – 14.) O Cristianismo como o Espiritismo, representa a
celebração das bodas de um grande e rico o proprietário, cujo pai não poupa
trabalho, sacrifício e dinheiro para dar à festa o maior realce e dela fazendo
participar o maior número possível de convivas. E para que todos se fartem, se
satisfaçam e se alegrem, o senhor das bodas apresenta-lhes lauta mesa com
variadas iguarias, não faltando música e discursos que exaltam o sentimento e a
inteligência. 60 As iguarias representam os ensinos espirituais; assim como
aquelas satisfazem e fortalecem o corpo, estes mantêm e vivificam o Espírito. A
Parábola das Bodas é uma alegoria, uma comparação do que se verificava naquela
época com o próprio Jesus Cristo. Os primeiros convidados foram os doutos, os
ricos, os sábios, os aristocratas, os sacerdotes, porque ninguém melhor do que
estes estavam em condições de participar das bodas fazer-se representar naquela
festa soleníssima para a qual o Rei dos Céus sem medir nem pesar sacrifícios,
havia mandado à Terra o seu Filho, de quem queria celebrar condignamente as
bodas. E quem poderia melhor apreciar Jesus Cristo e participar de suas bodas,
admirando a grande sabedoria do Mestre, seja na cura dos enfermos, seja nos
prodigiosos fenômenos de materialização e desmaterialização por Ele operados,
como a multiplicação dos pães e dos peixes, a manifestação do Tabor, a
dominação dos elementos e suas sucessivas aparições depois da morte? Quem
estava mais apto para compreender o Sermão do Monte, o Sermão Profético, o
Sermão da Ceia, seus Ensinos, suas Parábolas, senão os doutores, os rabinos, os
sacerdotes? Seriam os pescadores, os carpinteiros, os roceiros, as mulheres
incultas? Infelizmente, porém, o que aconteceu ontem é o que acontece hoje:
esta gente, toda ela se dá por excusada: uns porque têm de tratar do seu campo,
outros do seu negócio; outros ainda há, como acontece com o sacerdócio romano e
protestante, que agarram os servos encarregados do convite, ultrajam-nos, e, se
os não matam, é porque temem o Código Penal, que vigora na época nova em que
nos achamos Que fará o Senhor desta gente que não quer ouvir o seu chamamento,
nem aquiescer aos seus reiterados convites? 61 Quem é o culpado, ou quem são os
culpados de estarem, atualmente, festejando as bodas indivíduos sem competência
nenhuma para a execução dessa tarefa? Quais são os responsáveis por haverem
tomado lugar na mesa do banquete até pessoas sem o traje nupcial, sem a veste
apropriada para tal cerimônia? Leiam a Parábola das Bodas os senhores padres,
os senhores doutores, os senhores ministros, os senhores que andam transviando
seus ouvintes e ledores com uma ciência sem base e uma religião toda material,
sem provas, sem fatos, sem raciocínio! Digam: quem tem a culpa da decadência
moral, da depressão da inteligência e do sentimento que se verifica em toda
parte?! Se a Parábola das Bodas não tivesse sido proferida para as eminências
religiosas e científicas do tempo de Jesus, serviria perfeitamente para as de
hoje, que repudiam e combatem o Espiritismo. Entretanto, o fato é que os
indoutos, os pequenos, os humildes de hoje, como os indoutos e humildes de
ontem, estão levando de vencida toda essa plêiade de sábios e portentosos; e
mesmo sem letras, sem representação e sem veste, auxiliados pelos poderes do
Alto, estão concorrendo eficazmente para que as Bodas sejam bem festejadas e
concorridas! A VESTE NUPCIAL Era costume antigo, aliás, como hoje ainda é, usar
para cada ato, ou cada cerimônia, uma roupa de acordo com o ato ou a cerimônia
a que se vai assistir. O preconceito de todos os tempos tem determinado o
vestuário a ser usado em certas e determinadas ocasiões. É assim que não se vai
a um enterro com uma roupa clara, como não se vai a um casamento com um terno
de brim. 62 Aproveitando essas exigências sociais, muito preconizadas pelos
escribas e fariseus, e mormente pelos doutores da Lei sacerdotes, Jesus, ao
propor a parábola das Bodas, deu a entender que, para o comparecimento a essas
reuniões, fazia-se mister uma túnica nupcial; e aquele que não estivesse
revestido dessa roupagem, seria posto fora e lançado às trevas, onde haveria
choro e ranger de dentes, naturalmente por haverem esbanjado tanto dinheiro em
coisas de nenhum valor, de preferência à “túnica de núpcias”, bem assim por
terem perdido o tempo em coisas inúteis, em vez de tecerem, como deviam, a
túnica para comparecer às bodas. A veste de núpcias simboliza o amor, a
humildade, a boa vontade em encontrar a Verdade para observá-la, ou seja, a
pureza das intenções, a virgindade espiritual! O interesseiro, o mercador, o
astuto, o tartufo que, embora convidado a tomar arte nas bodas está sem a
túnica, não pode ali permanecer: será lançado fora, assim como será posto à
margem o convidado a um casamento ou a uma cerimônia que não se traje de acordo
com o ato a que vai assistir. Há bem pouco tempo, vimos, por ocasião de um júri
numa cidade vizinha, o juiz convidar um jurado “para se compor” só pelo fato de
acharse o mesmo com uma roupa de brim claro. O jurado foi posto fora, visto não
estar revestido com a “veste de juízo”. *** Como esteja o Evangelho disseminado
em todos os meios sociais (o que aliás constitui um dos sinais frisantes do
“fim do mundo”), só mesmo os homens de má vontade, os orgulhosos, enfatuados e
de espírito preconcebido ignoram seus deveres de humildade, para a recepção da
Palavra Divina. 63 A estes não garantimos êxito feliz quando
comparecerem ao Banquete de Espiritualidade, que se está realizando no mundo
todo, no consórcio do Céu com a Terra, dos vivos com os mortos, para o triunfo
da Imortalidade. Dar-se-á, sem dúvida, com esses turiferários do ouro e
turibulários, o que disse Isaías em sua profecia: Ouvirão e de nenhum modo
entenderão; verão e de nenhum modo perceberão”. Justamente o contrário
auguramos a todos os que, “fazendo-se crianças”, quiserem achar a Verdade para
abraçá-la, e tenham o firme propósito de o fazer, esteja ela com quem estiver e
onde estiver. Tal é a lição alegórica das Bodas e da Veste de Núpcias.
64 PARÁBOLA DA FIGUEIRA EM VEGETAÇÃO
“Aprendei esta parábola tirada da figueira:
quando os seus ramos já se acham tenros e brotam as folhas, sabeis que está próximo
o Verão; assim também vós, quando virdes todas estas coisas, sabei que ele (O
Filho do Homem) está próximo às portas. (Mateus, XXIV, 32-34 – Marcos, XII,
28-30 – Lucas, XXI, 29-32.) A figueira era, na Palestina, uma das árvores de
mais valor. Ao lado do trigo, da cevada, do centeio, da azeitona, da amêndoa,
do bálsamo e da mirra, o figo constituía um dos produtos mais importantes. Esta
árvore, quando não é de ano inteiro, ao aproximar-se o Verão os brotos de suas
folhas começam a aparecer, caracterizando assim a mudança de estação. Para bem
assinalar o período da transformação do mundo, que precederia à sua vinda,
Jesus comparou-o ao período intermediário entre a Primavera e o Verão, cujos
sinais são descritos no capitulo XXIV do Evangelho de Mateus, assim como a
entrada do Verão é assinalada pelos brotos da figueira. E esse Sermão Profético
se tem cumprido em toda a linha! A começar pela derrocada dos templos, o mundo
tem passado por todas as tribulações — peste, fome, guerras, terremotos,
maremotos; dores e sofrimentos de toda a sorte! Estes brotos de folhas da
“figueira mundo”, depois de transformados em bastas folhagens e em deliciosos
figos, servirão para o preparo da Humanidade, a fim de, mais apta, receber as
instruções do Cristo, não exteriormente, mas em espírito e verdade, gravando em
sua alma esses talentos com que resgatará o seu passado e conquistará o seu
futuro! Esta Parábola da Figueira é, pois, uma exortação à vigilância e à
observância dos sinais dos tempos, porque o Filho do Homem virá em momento em
que ninguém o espera! 65 No capítulo Sinais dos Tempos, o leitor se inteirará
melhor do significado desta Parábola.
66 PARÁBOLA DOS SERVOS BONS E MAUS
“Quem é, pois, o despenseiro fiel e prudente,
ao qual o Senhor confiará a direção de sua casa, para que em tempo devido
distribua o alimento? Bem-aventurado aquele servo a quem o seu senhor, quando
vier, achar assim fazendo! Em verdade vos digo que lhe confiará todos os seus
bens. Mas se aquele servo disser no seu coração: Meu senhor tarda em vir, e
começar a espancar os criados e as criadas, a comer, a beber e a embriagar-se,
virá o senhor daquele servo no dia em que o não espera e numa hora que ele não
sabe, e separa-lo-á e porá a sua parte com os infiéis. E aquele servo, que
soube a vontade do senhor, e não se preparou, nem fez conforme à sua vontade,
será castigado com muitos açoites; aquele, porém, que não a soube, e fez coisas
que mereciam castigos, será punido com poucos açoites. A todo aquele a quem
muito é dado, muito lhe será requerido; e a quem muito é confiado, mais ainda
lhe será exigido!” (Mateus, XXIV, 45-51– Lucas, XII, 42-48.) Este ensino, que
se constitui em verdadeiro mandamento para o “servo vigilante”, deixa
transparecer bem claramente aos olhos de todos, quais são os servos bons e
quais os servos maus que operam na Seara Divina. Não são os que vivem da
Religião, comendo e bebendo, que se salientam como obreiros do Bem e da
Verdade! Não são os que repudiam, condenam e excomungam seus semelhantes, que o
Senhor escolheu para seus verdadeiros servos, mas, sim, os que são fiéis à sua
Palavra e prudentes no cumprimento de seus deveres! Quem só trabalha pelo
numerário, não pode interpretar o pensamento íntimo do Mestre; não pode, por
isso, ser sábio, prudente e fiel. O bom servo só faz os desejos e a vontade de
seu senhor; o mau servo faz o que lhe apraz. Aquele trabalha para cumprir seus
deveres; este, por vil interesse e para satisfazer desejos bastardos. 67
Acresce ainda a circunstância de que os servos bons trabalham sempre, trabalham
sem cessar, pois sabem que trabalhador da última hora não é o que chega por
último, mas sim o que trabalha até a última hora, e não regateia esforços para
que todos os bens que lhe foram concedidos sejam postos em ação, estejam em
movimento para vencerem juros. O que nos foi confiado, não o foi para ser
enterrado ou guardado, como aconteceu ao “talento” entregue ao mau operário,
porém, sim, para ser por nós aproveitado e aproveitado pelos nossos
semelhantes! Por isso, cada um responsável pelo que lhe é dado; a quem muito é
dado, muito se lhe pedirá; a quem pouco é dado, pouco se lhe pedirá. Todas as
parábolas de Jesus são exortações, convites, conselhos, mandamentos para a
observância dos seus ensinos, mas exclusivamente dos seus ensinos, desembaraçados
dos enxertos humanos e dos preceitos e mandamentos das igrejas de pedra. O Dia
do Senhor é sempre Hoje, e sua Palavra está sempre guiando e ensinando aos que
a Ele se chegam com boa vontade para aprenderem suas inestimáveis lições! O que
disser, pois, “meu senhor tarda a vir”, não é um Homem-Espírito, mas, sim, um
ser animal que ainda não pode ultrapassar as barreiras que separam o instinto
da inteligência, a vida do corpo, da vida da alma, o Reino do Mundo, do Reino
de Deus! Finalmente, os servos bons distinguem-se dos servos maus como se
distinguem as laranjas; pela sua doçura.
68
PARÁBOLA DAS VIRGENS PRUDENTES E DAS NÉSCIAS
“O
Reino de Deus será comparado a dez virgens que, tomando as suas lâmpadas,
saíram ao encontro do noivo. Cinco dentre elas eram néscias e cinco prudentes.
As néscias, tomando as suas lâmpadas não levaram azeite consigo; mas as
prudentes levaram azeite em suas vasilhas, juntamente com as lâmpadas. Tardando
o noivo, toscanejaram todas e adormeceram. Mas à meia noite ouviu-se um grito:
Eis o noivo! Saí a seu encontro! Então se levantaram todas aquelas virgens e
prepararam suas lâmpadas. E disseram as néscias às prudentes: Dai-nos do vosso
azeite, porque as nossas lâmpadas estão se apagando! Porém as prudentes
responderam: Talvez não haja bastante para nós e para vós. Ide antes aos que o
vendem e comprai-o para vós. Enquanto foram comprá-lo, veio o noivo; e as que
estavam apercebidas entraram com ele para as bodas e fechou-se a porta. Depois
vieram as outras virgens e disseram: Senhor, Senhor, abre-nos a porta! Mas ele
respondeu: Em verdade vos digo que não vos conheço. “Portanto, vigiai, porque
não sabeis nem o dia, nem a hora.” (Mateus, XXV, 1-13.) Há virgens e virgens,
porque se umas são prudentes, outras são néscias. Esta interessante parábola
deixa ver bem claro que o Reino dos Céus não é um pandemônio de sábios e
ignorantes, não é um ambiente onde tenham a mesma cotação os prudentes e os
tolos. A instrução espiritual é indispensável, assim como o é a instrução
intelectual na vida social. Os que passam a vida ociosamente, dela sugando o
que tem de bom a lhes oferecer para a satisfação de deleites, os néscios, que
julgam obter o Reino de Deus, sem estudo, sem esforço, sem trabalho, finalmente
aqueles que não fazem provisão de conhecimentos que es aumentem a fé, estão
sujeitos a verem apagadas as suas candeias, e a perderem a entrada às 69 bodas
quando se virem forçados, de um momento para outro, a fazer aquisição de óleo,
que representa os conhecimentos que fazem combustão em nossas almas, acendendo
em nosso coração a lâmpada sagrada da Fé. A fé sem conhecimento pode ser
comparada a uma 3ndeia mal provida que à meia noite não dá mais luz. Assim é a
fé dogmática, misteriosa, abstrata: na ocasião das provações, das dores, dos
sofrimentos, nessa metade da noite por que todos passam, essa fé é semelhante
ao morrão que fumega, da torcida que já sugou a última gota de óleo. A
prudência, ao contrário, manda ao homem que seja precavido, que abasteça
abundantemente não só a sua candeia, mas também a maior vasilha que puder
transportar, com o combustível que se converte em luz para lhe iluminar os
passos, o caminho, a estrada por onde tem de seguir, e que assim possa, envolto
em claridade, afrontar as trevas da noite inteira e ainda lhe sobre luz para
com ela saudar os primeiros raios do Sol nascente. A prudência manda ao homem
que estude, pesquise, examine, raciocine e compreenda. As virgens, tanto as da
primeira condição, como as da segunda, representam a incorruptibilidade,
representam todos aqueles que se conservam isentos da corrupção do mundo. Mas
não é bastante resguardar-se da corrupção para se aproximar do Grande Modelo:
Jesus, o Cristo. Assim como sem a candeia bem abastecida de combustível as
virgens néscias não puderam ir ao encontro do noivo e entrar com ele nas bodas,
assim também sem uma luz que bem esclareça e ainda uma provisão de combustível
que faça luz, ninguém pode ir ao encontro do Cristo e penetrar nos umbrais da
aliança espiritual, para tomar parte nas bodas, cantando hosanas ao santo nome
de Deus. A necessidade é um entrave que paralisa o espírito, arrojando-o depois
na mais densa escuridão. 70 Não é bastante a virgindade espiritual para a
entrada criatura humana no Reino de Deus, mas é preciso que a mesma seja ligada
ao conhecimento, a todo o conhecimento que nos foi dado por Jesus Cristo, nosso
Mestre e Irmão Maior. Não pode haver no Céu um misto de ignorância e de
santidade. Toda a santidade é cheia de sabedoria, porque é da sabedoria aliada
à santidade que vem a verdadeira Fé e a conseqüente prática das boas obras. As
virgens néscias, por não terem azeite, não encontraram e nem puderam receber o
noivo, assim como não tomaram parte nas bodas, porque suas lâmpadas se apagaram
à chegada do noivo. As virgens prudentes, ao contrário, acompanharam o noivo e
com ele entraram nas bodas, porque tinham as suas lâmpadas bem acesas. A
Religião não é crença abstrata. É um conjunto maravilhoso de fatos, de
ensinamentos, que se unem, se completam, se harmonizam concretamente. Só os
néscios não a compreendem, porque não abastecem as lâmpadas que lhes
iluminariam esse Reino da Verdade, onde as bodas eternas felicitam os espíritos
trabalhadores, humildes e prudentes. A necessidade, é a antítese da prudência;
esta não pode existir onde impera aquela. Necessidade, ignorância, falta de
tino, são os maiores entraves à elevação do Espírito para Deus. A prudência é
cheia de sabedoria, de circunspeção, de consideração e de serenidade de
espírito. A prudência não obra desordenadamente, mas se afirma pela temperança,
pela sensatez e pela discrição. O inverso se dá com a necessidade. Envolta em
trevas, debatendo-se em plena escuridade, não mede as responsabilidades, não
prevê conseqüências, não arrazoa os atos que pratica. Esta parábola, como
dissemos, ensina aos que aspiram o Reino dos Céus, a necessidade da instrução,
do cultivo do espírito, do exercício da 71 inteligência e da razão, para a
obtenção do conhecimento supremo, que nos guindará à eterna felicidade. Não
basta dizer: Senhor! Senhor! Não basta proferir preces, nem pronunciar orações
mais ou menos emocionantes para a porta da felicidade nos seja aberta, preciso,
primeiro que tudo, “abastecer as lâmpadas e os vasos”. O mandamento não é só:
amai-vos, é também: instrui-vos. A sabedoria é o óleo sagrado da instrução. Sem
ela não há caminho para o Reino dos Céus, nem entrada para a “Casa de Deus”.
Sendo nossa estadia na Terra um meio de instrução, seremos néscios se
descurarmos desse dever para nos entregarmos a labores ou diversões fúteis que
nenhum progresso espiritual nos podem proporcionar. As cinco “virgens
prudentes” simbolizam os que lêem, estudam, experimentam, investigam,
raciocinam, e, procurando compreender a vida, trabalhando pelo seu próprio
aperfeiçoamento. As cinco “virgens néscia” são o símbolo daqueles que sabem
tudo o que se passou, menos o que precisam saber: não estudam, enfastiam-se
quando se lhes fala de assuntos espirituais; chegam mesmo a dizer que, enquanto
estão nesta vida, dela tratarão, reservando o seu trabalho de Espírito para
quando se passarem para o Outro Mundo. Geralmente, são estes que, nos momentos
angustiosos, ou quando a “morte” lhes bate à porta, revestem-se de uma “fé”
toda fictícia e exclamam: Senhor! Senhor! E como não podem obter o “óleo” de
que fala a parábola, pensam poder adquiri-lo com os mercadores, mas ao voltarem
encontram “fechada a porta” e ouvem a voz de dentro que lhes diz: “Em verdade,
não vos conheço”! É preciso vigiar: procurar a verdade, onde quer que se
encontre. É preciso adquirir conhecimentos, luzes internas que nos fazem ver o
Senhor e nos permitem ingressar na sua morada. A Religião é Luz e Harmonia;
assim se apresentou ela aos Discípulos no Cenáculo: em forma de “línguas de
fogo e como um vento impetuoso que encheu toda a sala”. E para segui-la é
preciso ter olhos e ouvidos. 72 A necessidade nada sabe, nada compreende,
nada conhece, nada pensa. Só a prudência nos pode guiar no caminho da Vida,
aproximando-nos daquele por cujos ditames conseguiremos nossa redenção
espiritual.
73 PARÁBOLAS DOS TALENTOS E DAS MINAS
“Porque isto é também como um homem que,
partindo para outro país, chamou os seus servos e lhes entregou os seus bens: a
um deu cinco talentos, a outro dois e a outro um; a cada qual segundo a sua
capacidade; e seguiu viagem. O que recebera cinco talentos, foi imediatamente
negociar com eles e ganhou outros cinco; do mesmo modo o que recebera dois,
ganhou outros dois. Mas o que tinha recebido um só, foi-se e fez uma cova no
chão e escondeu o dinheiro do seu senhor. Depois de muito tempo voltou o senhor
daqueles servos e ajustou contas com eles. Chegando o que recebera cinco
talentos, apresentou-lhes outros cinco, dizendo: Senhor, entregaste-me cinco
talentos: aqui estão outros dois que ganhei. Disse-lhe o seu senhor: Muito;
bem, servo bom e fiel, já que foste fiel no pouco, confiar-te-ei o muito; entra
no gozo do teu senhor. Chegou também o Que recebera dois talentos, e disse:
Senhor, entregaste-me dois talentos; aqui estão outros dois que ganhei.
Disse-lhe o seu senhor: Muito bem, servo bom e fiel, já que foste fiel no
pouco, confiar-te-ei o muito; entra no gozo do teu senhor. E chegou por fim o
que havia recebido um só talento, dizendo: Senhor, eu sei que és homem severo,
que ceifas onde não semeaste e recolhes onde não joeiraste; e, atemorizado, fui
esconder o teu talento na terra; aqui tens o que é teu. Porém o seu senhor
respondeu: Sorvo mau e preguiçoso, sabias que ceifo onde não semeei, e que
recolho onde não joeirei? Devias, então, ter entregado o meu dinheiro aos
banqueiros, e, vindo eu, teria recebido o que é meu com juros! Tirai-lhe, pois,
o talento e dai-o ao que tem os dez talentos; porque a todo o que tem,
dar-se-lhe-á, e terá em abundância; mas ao que não tem, até o que tem serlhe-á
tirado. Ao servo inútil, lançai-o nas trevas exteriores; ali haverá choro e
ranger de dentes.” (Mateus, XXV, 14-30.) 74 “Ouvindo eles isto prosseguiu Jesus
e propôs uma parábola, visto estar ele perto de Jerusalém e pensaram eles que o
Reino de Deus havia de manifestar-se imediatamente. Disse, pois: Certo homem
ilustre foi para um país longínquo, a fim de obter para si o governo e voltar.
Chamou dez servos seus, deu-lhes dez minas e disse-lhes: Negociai até eu
voltar. Mas os seus concidadãos o odiavam, e enviaram após ele uma embaixada,
dizendo: Não queremos que este homem nos governe. Quando ele voltou, depois de
haver tomado posse do governo, mandou chamar os servos, a quem dera o dinheiro,
a fim de saber como cada um havia negociado. Apresentou-se o primeiro e disse:
Senhor, a tua mina rendeu dez. Respondeu-lhe o Senhor: Muito bem servo bom,
porque foste fiel no mínimo, terás autoridade sobre dez cidades. Veio o
segundo, dizendo: Senhor, a tua mina rendeu cinco. A este respondeu: Sê tu
também sobre cinco cidades. E veio outro dizendo: Senhor, eis a tua mina que
tive guardada em um lenço; pois eu tinha medo de ti, porque és homem severo,
tiras o que não puseste e ceifas o que não semeaste. Respondeu-lhe: Servo mau,
pela tua boca te julgarei. Sabias que sou homem severo, que tiro o que não pus
e ceifo o que não semeei; por que, pois, não puseste meu dinheiro no banco? e
então na minha vinda o teria exigido com juros. E disse aos que estavam
presentes: Tirai-lhe a mina e dai-a ao que tem as dez. Responderam-lhe; Senhor,
este já tem as dez. Declaro-vos que a todo o que tem, dar-se-lhe-á; mas o que
não tem, até aquilo que tem lhe será tirado. Quanto, porém, a esses meus
inimigos, que não quiseram que eu os governasse, trazei-os aqui e matai-os
diante de mim.” (Lucas, XIX, 11-27.) A Parábola dos Talentos tem a mesma
significação que as das Minas. Aquela narrada por Mateus, e esta por Lucas,
exprimem perfeitamente os deveres que nos assistem, material, moral e
espiritualmente. Todos somos filhos de Deus; o Pai das Almas reparte com todos
igualmente os seus dons; a uns dá mais, a outros dá menos, sempre de 75 acordo
com a capacidade de cada um. A uns dá dinheiro, a outros sabedoria, a outros
dons espirituais, e, finalmente, a outros concede todas essas dádivas reunidas.
De modo que um tem cinco talentos, outro dois, outro um; ou então um tem dez
minas, outro cinco, outro duas. Não há privilégios nem exclusões para o Senhor;
e se cada qual, cônscio do que possui e compenetrado de seus deveres agisse de
acordo com os preceitos da Lei Divina, estamos certos de que ninguém teria
razão de queixar-se da sorte ou de clamar contra a “má situação” em que a
maioria se diz achar. Não existe um só indivíduo no mundo que não seja
depositário de um talento ou de duas minas. Ainda mesmo aqueles que se julgam
miseráveis e mendigam a caridade pública, se perscrutarem as suas aptidões, o
que trazem oculto nos recônditos de sua alma, verão que não são tão desgraçados
como se julgam. Todos, todos trazem a este mundo talentos e minas para garantir
não só o estado presente, como sua situação futura, porque o mundo não é mais
que uma estância onde viemos fazer aquisições, provisões para construir e
abastecermos a nossa morada futura. Olhai o mendigo que passa andrajoso e sujo,
procurai detê-lo por momentos, inquiri da sua vida, instigai-o a falar,
pesquisai suas qualidades e seus defeitos, penetrai no recesso de seu coração e
de seu cérebro; estudai-o física, moral e espiritualmente; fazei a sua
psicologia, e tereis ocasião de ver nessa figura esquálida, monótona e por
vezes repelente, qualidades superiores às de muitos homens que se ufanam nas
praças, assim como vereis nele dons adormecidos, semelhantes às minas
escondidas na terra ou ao talento atado a um lenço! E se assim acontece com o
mendigo, o miserável, o andrajoso, com maior soma de razões a parábola tem
aplicação aos grandes, aos poderosos, aos doutos, aos sacerdotes que justamente
por se intitularem guias dos povos, são merecedores de maior soma de “açoites”.
76 Na época em que o Senhor das Minas e dos Talentos veio exigir dos servos a
primeira prestação de contas, só foram considerados servos maus os que haviam
recebido o mínimo de minas e de talentos, pois os que os haviam recebido em
maior número prestaram boas contas. Mas se o Senhor viesse agora a nos pedir
conta da nova emissão de dólares, minas, talentos que espalhou pelo mundo, é
certo que aconteceria justamente o contrário, porque não vemos o trabalho nem o
“negócio” dos que receberam dois, cinco, dez minas e talentos! Ainda mais, está
a parecer-nos que o próprio capital, que pelos servos maus de outrora foi
restituído do lenço ou desenterrado, nem este apareceria, pois a época é de
“bancarrota” e de “falência fraudulenta”. De fato, há dois mil anos o Supremo
Senhor enviou ao mundo seu filho dileto e representante, cuja doutrina sábia,
consoladora e ungida de amor é a única capaz de salvar a Humanidade; e o que
observamos por toda parte? Na esfera religiosa, como na esfera científica o
dolo, a má fé, a deturpação da Verdade! O brado das guerras de 1914 a 1939, com as suas conseqüências, levou a
orfandade aos lares, cidades foram devastadas e a imoralidade assentou sua
cátedra em toda a parte, banindo das almas os princípios de fraternidade que o
Cristo nos legou. E onde estão os subsídios e os subsidiados; os servos, os talentos
e as minas legados no Evangelho às gerações? Esses servos indolentes, cheios de
preconceitos e temores humanos, por haverem ocultado os substanciosos ditames
que lhes foram doados, para com esse “capital” ganharem meios de se elevarem,
passarão por penosa existência de expiação e de trevas até que, mais humildes,
mais submissos à vontade divina, recebam novo talento, com o qual possam
começar a preparar o seu bem-estar futuro. E que diremos dos tartufos, dos
mercenários, dos trapaceiros, dos ladravazes que unidos um coro impediam e
impedem o domínio da Lei de 77 Deus, trancando os Céus, não entrando e ainda
impedindo a entrada aos que desejam conhecê-lo? Que diremos dos que, semeando o
ódio e a dissensão ao alarido de sinos, de foguetes e de fanfarra, fazem
doutrina pessoal, substituindo o Criador pela criatura, e disseminam a “fé dos
concílios” em vez da fé nos Preceitos do Cristo?! Que diremos dos submissos,
dos subservientes que, tendo idéias espíritas e estando convencidos de que o
Espiritismo é a única doutrina capaz de nos iniciar no Caminho da Perfeição, ou
por medo dos “maiorais”, ou por medo do ridículo, negam a sua fé, traem a sua
consciência, escondem os seus sentimentos?! Não terá o Senhor direito de
ordenar aos servos: conservai mortos esses suicidas, que se aniquilaram a si
próprios; deixai-os no túmulo da descrença que eles próprios cavaram?! ***
Todos somos filhos de Deus: o Pai reparte igualmente suas dádivas entre todos
os seus filhos; faz levantar o Sol para bons e maus e descer as chuvas para
justos e injustos; mas exige que essas dádivas sejam acrescentadas por todos.
Os que obedecem a Seus preceitos têm o mérito de suas obras; os que
desobedecem, o demérito, e são responsáveis pela falta de observância de seus
sagrados deveres. O dinheiro não nos foi dado para volúpias nem a sabedoria
para estufar; assim como os dons espirituais não nos foram concedidos senão
para serem proveitosos à Fé, à Esperança e à Caridade. Mais servos houvesse e
mais subsídios lhes fossem concedidos, ainda não bastariam para mal empregarem
o seu tempo, esbanjando a fortuna que lhes fora concedida, a eles, meros
depositários, e da qual terão de prestar severas contas. Tratando, pois, de
dons-talentos materiais e morais e de servos dotados com este gênero de subsídio,
não é preciso estendermo-nos em maiores 78 considerações. O livro do mundo está
aberto e todos podem nele ler o que se passa. Encaremos agora as parábolas sob
o ponto de vista espírita. Elas dirigem-se justamente àqueles que tiveram a
felicidade de receber os talentos e as minas dos conhecimentos espíritas! Ora,
é muito sabido que estes conhecimentos quando, bem entendidos e bem aplicados,
são uma fonte perene de felicidade, e, ao contrário, quando mal entendidos e
mal aplicados, são como que setas de remorsos cravadas nas consciências
desviadas do bem e da verdade. Aqueles que recebem a Doutrina e ainda os dons
espirituais, e os aplicam em proveito próprio e alheio, com o fim especial de
tornar conhecida a Palavra de Deus, são os que receberam 2 e 5 talentos, 5 e 10
minas; à última hora do trabalho, quando chamados ao ajuste de contas, lhes
será dito: “Servos bons e diligentes! Fostes fiéis no pouco, também o sereis no
muito; confiar-vos-ei o muito; entrai no gozo do vosso Senhor”. Ou então:
“Servo bom, porque foste fiel no pouco, terás autoridade sobre dez cidades,
sobre cinco cidades, de acordo, cada um, com os talentos e as minas que
recebeu.” Aqueles que recebem a Doutrina e os dons espirituais e não os
observam, ou os aplicam mal, prejudicando a Causa que deviam zelar, são
semelhantes aos que enterraram o talento e as minas. A estes dirá o Senhor:
“Dizíeis que o Senhor é exigente e cioso, e, em vez de, ao menos, pordes o
talento ou as minas a render juros num banco, os escondestes ou os esbanjastes,
pois, pela vossa boca eu vos julgarei; entregai imediatamente as minas e o
talento aos que têm, dez e cinco, porque a todo o que tem, dar-se-lhe-á e terá
em abundância, e, ao que não tem, até o que tem ser-lhe-á tirado”.
79 PARÁBOLA DA SEMENTE
“O
Reino de Deus é como se um homem lançasse a semente à terra, e dormisse, e se
levantasse de noite e de dia e a semente germinasse e crescesse, sem ele saber
como. A terra por si mesma produz frutos; primeiro a erva, depois a espiga e
por último o grão cheio na espiga. Depois do fruto amadurecer, logo lhe mete a
foice, porque é chegada a ceifa.” (Marcos, IV, 26-29.) A terra é um prodígio de
fecundidade dela que nos vem o alimento, e, portanto, o corpo; é dela que nos
vem à roupa. Tudo vem da terra; ela produz a erva, faz brotar a espiga, faz
nascer e amadurecer o fruto; e, lançada a semente à terra, germina e cresce sem
se saber como! É assim o Reino dos Céus; trazido a Terra pelo Grande Semeador,
embora estivessem os homens alheios às coisas do Céu e presos à Terra, a
Palavra de Jesus, que é a semente da árvore que dá frutos de Vida Eterna,
atirada na obscuridade da Palestina, transformou-se, tornou-se um novo corpo
cheio de fortaleza, deu a plântula, subterrânea mas perfeitamente organizada,
cuja raiz se introduziu no coração de seus discípulos, e, fendida a terra
produtiva, deixou sair a haste que vai crescendo viçosa, saudando a luz,
aparecendo aos olhos de todos, com seus reflexos verdejantes da Esperança, que
anuncia a produção do oxigênio espiritual indispensável à vida das almas! Com
folhas já largamente abertas e flores perfumosas, mostra-se a árvore adulta e
luxuriante, tal como fora previsto no Apocalipse pelo Cantor de Patmos; a
árvore que serviria para a cura e vida dos Espíritos! A força secreta que produz
todas as transformações orgânicas, também produz as transformações psíquicas. E
de onde vem essa força, esse poder? De Deus! E, embora os homens descurem seus
deveres, assim como a semente se transforma em árvore, a 80 semente do Reino de
Deus se transforma em reino de Deus pela força do progresso incoercível que
domina todas as coisas! Partindo do “germe”; a Palavra de Jesus ampliou-se,
desenvolveu-se, e, por sua ação, fez desenvolver em seu seio, uma genealogia
inteira de entes que, diferentes na forma e grandeza, vão constituindo e
anunciando a todos o Reino de Deus! É assim a Semente da Parábola, que tem
passado por todos os processos: germinação, crescimento, floração e
frutificação, sem que a Revelação deixasse um só instante de vivificá-la com
suas benéficas inspirações. A Revelação é o influxo divino que ergue e
movimenta todos os seres, que os eleva aos cimos da Espiritualidade. O Reino de
Deus, substituído até há pouco pelo Reino do Mundo, já está dando frutos de
amor e de verdade, que permanecerão para sempre e transformarão o nosso planeta
de um inferno hiante em estância feliz, onde as almas encontrarão os elementos
de progresso para a sua ascensão à felicidade eterna.
81 PARÁBOLA DA CANDEIA
“Ninguém, depois de acender uma candeia, a
cobre com um raso ou a põe debaixo de uma cama; pelo contrário, coloca-a :obre
um velador, a fim de que os que entram vejam a luz. Porque não há coisa oculta
que não venha a ser manifesta; nem coisa secreta que se não haja de saber e vir
à luz. Vede, pois, como ouvis; porque ao que tiver, ser-lhe-á dado; e ao que
não tiver, até aquilo que pensa ter, ser-lhe-á tirado.” (Lucas, VIII, 16-18.)
“E continuou Jesus: Porventura vem a candeia para se pôr debaixo do módio ou
debaixo da cama? Não é antes para se colocar no velador? Porque nada está
oculto senão para ser manifesto; e nada foi escondido senão para ser divulgado.
Se alguém tem ouvidos de ouvir, ouça. Também lhes disse: Atenta! no que ouvis.
A medida de que usais, dessa usarão convosco: e ainda se vos acrescentará. Pois
ao que tem, ser-lhe-á dado; e ao que não tem, até aquilo que pensa ter,
ser-lhe-á tirado.” (Marcos, IV, 21-25.) A Luz é indispensável à vida material e
à vida espiritual. Sem luz não há vida; a vida é luz quer na esfera física,
quer na esfera psíquica. Apaguese o Sol, fonte das luzes materiais e o mundo
deixará, incontinente, de existir. Esconda-se a luz da sabedoria e da Religião
sob o módio da má fé ou do preconceito, e a Humanidade não dará mais um passo,
ficará estatelada debatendo-se em trevas. Assim, pois, tão ridículo é acender
uma candeia e colocá-la debaixo da cama, como conceber ou receber um novo
conhecimento, uma verdade nova e ocultá-los aos nossos semelhantes. Acresce
ainda que não é tão difícil encontrar o que se escondeu porque “não há coisa
oculta que não venha a ser manifesta”. Mais hoje, mais amanhã, um vislumbre de
claridade denunciará a existência da candeia 82 que está sob o leito ou sob o
módio, e que desapontamento sofrerá o insensato que aí a colocou! A
recomendação feita na parábola é que a luz deve ser posta no velador a fim de
que todos a vejam, por ela se iluminem, ou, então, para que essa luz seja
julgada de acordo com a sua claridade. “Uma árvore má não pode dar bons
frutos”; e o combustível inferior não dá, pela mesma razão, boa luz. Julga-se a
árvore pelos frutos e o combustível pela claridade; pela pureza da luz que dá.
A luz do azeite não se compara com a do petróleo, nem esta com a do acetileno;
mas todas juntas não se equiparam à eletricidade. Seja como for, é preciso que
a luz esteja no velador, para se distinguir uma da outra. Dar a necessidade do
velador. No sentido espiritual, que é justamente o em que Jesus falava, todos
os que receberam a Luz da sua Doutrina precisam mostrá-la, não a esconderem sob
o módio do interesse, nem sob o leito da hipocrisia. Quer seja fraca, média ou
forte; ilumine na proporção do azeite, do petróleo, do acetileno ou da
eletricidade, o mandamento é: “Que a vossa luz brilhe diante dos homens, para
que, vendo as vossas boas obras (que são as irradiações dessa luz) glorifiquem
o vosso Pai que está nos Céus.” Ter luz e não fazê-la iluminar, é colocá-la sob
o módio; é o mesmo que não a ter; e aquele que não a tem e pensa ter, até o que
parece ter ser-lhe-á tirado. Ao contrário, “aquele que tem, mais lhe será
dado”, isto é, aquele que usa o que tem em proveito próprio e de seus
semelhantes, mais lhe será dado. A chama de uma vela não diminui, nem se gasta
o seu combustível por acender cem velas; ao passo que estando apagada é preciso
que alguém a acenda para aproveitar e fazer aproveitar sua luz. Uma vela
acendendo cem velas, aumenta a claridade, ao passo que, apagada, mantém as
trevas. E como temos obrigação de zelar, não só por nós como pelos nossos
semelhantes, incorremos em grande responsabilidade pelo uso da “medida” que
fizemos; se damos um dedal 83 não podemos receber um alqueire; se uma oitava,
não podemos contar com um quilo em restituição, e, se nada damos o que havemos
de receber? A luz não pode permanecer sob o módio, nem debaixo da cama. A
candeia, embora matéria inerte, nos ensina o que devemos fazer, para que a
Palavra do Cristo permaneça em nós, possamos dar muitos frutos e sejamos seus
discípulos. Assim, o fim da luz é iluminar e o do sal é conservar e dar sabor.
Sendo os discípulos de Jesus luz e sal, mister se faz que ensinem, esclareçam,
iluminem, ao mesmo tempo que lhes cumpre conservar no ânimo de seus ouvintes,
de seus próximos, a santa doutrina do Meigo Rabino, valendo-se para isso do
espírito que lhe dá o sabor moral para ingerirem esse pão da vida que
verdadeiramente alimenta e sacia. Assim como a luz que não ilumina e o sal que
não conserva, para nada prestam, assim, também, os que se dizem discípulos do
Cristo e não cumprem os seus preceitos nem desempenham a tarefa que lhes está
confiada, só servem para serem lançados fora da comunhão espiritual e serem
pisados pelos homens. A candeia sob o módio não ilumina; o sal insípido não
salga, não conserva, nem dá sabor.
84 PARÁBOLA DA FIGUEIRA QUE SECOU
“No
dia seguinte, saindo eles de Betânia, teve fome. Vendo ao longe uma figueira
que tinha folhas, foi ver se, porventura, acharia nela alguma coisa.
Aproximando-se, nada achou senão folhas; porque ainda não era tempo de figos.
Disse-lhe: Nunca jamais coma alguém fruto de ti; e seus discípulos ouviram
isto.” “Quando chegava a tarde saíram da cidade. Ao passarem de manhã, viram
que a figueira estava seca até a raiz. Pedra, lembrando-se, disse-lhe: Olha,
Mestre, secou-se a figueira que amaldiçoaste!” (Marcos, XI, 12-14 – 19-21.)
Antes de estudarmos esta passagem, uma consideração se apresenta às nossas
vistas. Esta figueira não será a mesma que serviu de comparação ao Mestre para
a exposição da sua Parábola, cap. XIII, 6 a 9 do Evangelho de Lucas? Cremos que sim,
porque senão não haveria motivo para tão sumária execução. Se a própria
Parábola da Figueira Estéril ensina a necessidade de cultivo, de concerto, de
reparo, de fertilização com adubos, antes de toda e qualquer resolução
decisiva, como, de momento, sem os requisitos preceituados neste ensinamento,
Jesus resolveu fui minar a árvore que se achava bem enfolhada, bem “copada”?
Para o leitor, insciente do sentido espiritual das Escrituras, outra
dificuldade se mostra com a aparente contradição entre a narração do texto de
Marcos e a de Mateus. Este diz: “No mesmo instante secou a figueira.” (Mateus
XXI, 18 a 22); aquele: “Pela manhã, viram que a
figueira estava seca até a raiz.” Entretanto, essa contradição é só aparente.
Os antigos, quando se exprimiam sobre a duração de um fato, de uma coisa, de um
fenômeno qualquer, não eram explícitos, como nós somos. Por exemplo, a palavra
que traduzimos por eternidade, queria dizer um tempo incalculável, 85
indeterminado, de longa duração. A Escritura fala de meses de trinta anos em
vez de meses de trinta dias. Acresce ainda a circunstância de que a hora dos
hebreus abrangia, cada uma, três das nossas. (*) (*) Vide: Interpretação
Sintética do Apocalipse, do mesmo autor. Para a expressão “no mesmo instante”,
aplicada ao tempo em que a figueira secou, o período de cinco horas cabe
perfeitamente, se compreendermos o modo enfático com que foi pronunciada,
porque uma árvore, mesmo que cortada pela raiz, não secará nesse espaço de
tempo. Naturalmente não era a primeira vez que Jesus e os seus discípulos viam
aquela figueira. Por três anos consecutivos viram-na sem frutos, e mesmo depois
de estercada ela permaneceu estéril. Do que Jesus se aproveitou para
demonstrar, aos que tinham de ser seus seguidores, o poder de que se achava
revestido e o alto saber que o orientava. Acode-nos uma lembrança também
interessante. Diz Marcos que “a árvore não tinha senão folhas, porque não era
tempo de figos.” Ora, esta figueira, forçosamente devia pertencer ao número
daquelas árvores que dão fruto o ano inteiro; tanto mais que a parábola fala de
cultivo e de adubo à mesma aplicados. Se considerarmos o clima daquela região,
veremos que é perfeitamente admissível a nossa hipótese. A região fria está
quase adstrita ao Norte, nas montanhas do Líbano. A proporção que se desce para
Efraim, Manassés e Judá, a temperatura sobe, e aumenta ainda mais para os lados
de Saron e nas costas do Mediterrâneo, tocando o grau tropical no Vale do
Jordão e no Mar Morto. Por essas bandas é que se deveria encontrar a figueira,
por ser mesmo o terreno mais fértil para plantações. A figueira, aparentemente,
estaria bem situada. Por que não dava frutos? Adubos não lhe faltaram, cuidados
não lhe foram regateados! Por que seria que só lhe vinham tronco, galhos e
folhas? Com certeza, aquele circuito onde ela se achava era improdutivo, e
improdutivo de tal modo que nem os adubos lhe venciam a esterilidade. 86 Ou
então a semente era “chocha”, era de fundo estéril, tornando-se-lhe inúteis
todos os cuidados. Seja como for, o ensino de Jesus é muito significativo, por
haver escolhido uma árvore, a fim de melhor gravar no ânimo de seus discípulos
a lição que lhes queria transmitir, bem assim às gerações que deveriam estudar
nos Evangelhos a Verdade que orienta e salva. É instrutivo porque, havendo o
Mestre tomado por ponto de comparação uma figueira, deixou bem claro que a lei
de Deus, estendendo-se a toda a criação e sendo eterna, irrevogável, tanto tem
ação sobre as árvores, os animais, como sobre as criaturas humanas. Essa lei,
que rege na figueira a produção dos frutos, é a mesma que rege nos homens a
produção das boas obras. Uma árvore sem frutos é uma árvore inútil, estéril,
que não trabalha. Uma alma também sem virtudes é semelhante à figueira, na qual
Jesus não encontra frutos. Há, portanto, frutos de árvores e frutos de almas;
frutos que alimentam corpos e frutos que alimentam espíritos; todos são frutos
indispensáveis à vida, tanto dos corpos, como das almas. A figueira, por não
ter frutos, secou, embora bem enraizada, de tronco bem formado, de galhos bem
ramificados, de copa bem enfolhada. Assim também o espírito, o homem, a mulher,
e até as crianças sem bons sentimentos, sem virtudes divinas, sem ações
caritativas, generosas, celestiais, estejam embora vestidos de seda, recamados
de brilhantes, reluzentes de ouro, hão de forçosamente sofrer as mesmas
conseqüências ocorridas à figueira que, por não dar frutos, secou ao império da
Palavra de Jesus. Desta explicação resulta a necessidade de praticar-nos sempre
boas ações, e, em nossos corações, fazermos provisão dos Ensinos Celestiais,
para que o Verbo de Deus se traduza por generosas ações. 87 Entretanto, a
Palavra de Deus não é só moral, é também sabedoria; e se analisarmos por esta
face a seca da figueira, chegaremos à conclusão de que a Palavra de Jesus não
era simples palavra, mas também ação. Jesus, durante a sua missão terrestre,
foi sempre acompanhado de uma grande falange de Espíritos que executavam suas
ordens. Quando Jesus disse à figueira: nunca jamais coma alguém fruto de ti”,
alguns desses espíritos, com o poder de que dispunham, fizeram secar a
figueira, assim como nós o faríamos aquecendo o seu ronco. O centurião, em cuja
casa Jesus curou, à distância, um servo que estava paralítico, compreendeu bem
o poder de Jesus e por certo sabia dos auxiliares que com Ele agiam, quando
disse: “Eu também tenho soldados às linhas ordens, e digo a um: vai ali, e ele
vai; a outro: vem cá, e ele vem; ao meu servo: faze isto, e ele o faz.” Com
isso, o centurião teria feito ver a Jesus que conhecia o seu poder, a milícia
que o acompanhava e os servos prontos a executarem suas ordens.
88 PARÁ BOLA DO CEGO QUE GUIA OUTRO CEGO
“Porventura pode um cego guiar outro cego? não
cairão ambos no barranco?” (Lucas, VI, 39.) “Sabes que os fariseus ouvindo o
que disseste, ficaram escandalizados? Mas ele respondeu: Toda a planta que meu
Pai Celestial não plantou será arrancada pela raiz. Deixai-os, são cegos guias
de cegos. Se um cego guiar outro cego, cairão ambos no barranco.” (Ma teus, XV
- 12-14.) Há cegos do corpo e cegos do espírito, e se horrível é a cegueira do
corpo, mil vezes pior é a do espírito. Entretanto, bem difícil, ou quase
impossível é encontrar-se um cego a guiar outro cego, ao passo que, no que se
refere às coisas do Espírito, vemos, por toda parte, cegos que guiam cegos!
Qualquer homem, por haver freqüentado um seminário e ter envergado uma sotaina,
já se julga com capacidade bastante para ser guia de cegos! Nunca se viu um
cego formado no Instituto de Cegos sair à rua guiando cegos, mas vêem-se, todos
os dias, cegos mil vezes mais cegos que os primeiros, saídos do “Instituto da
Cegueira”, guiando a multidão de cegos que encontram o “barranco” do túmulo e
nele caem juntamente com seus guias! Mas passemos à comparação: triste coisa é
ver-se neste mundo um cego caminhando só, ou um cego a guiar outro cego, se tal
fosse possível. Que acontece ao cego que caminha sem guia? Tropeça aqui, tomba
ali, cai acolá; esbarra, fere-se, até que alma caridosa o tome pela mão e o
conduza a casa! A mesma sorte está reservada aos cegos que guiam cegos; tanto
uns, como outros, passam pelos mesmos tormentos. 89 Imagine-se agora um “cego
de espírito” caminhando sozinho: um materialista, cego-voluntário, ao chegar ao
Mundo Espiritual! Como poderá ele caminhar? Este homem não procurou estudar o
Mundo Espiritual, nem sequer acreditava na Outra Vida: ignora a significação
das palavras imortalidade, eternidade, Deus! Que acontecerá a este cego ao
passar as barreiras do túmulo? Que acontecerá a este Espírito ao ver-se num
mundo completamente estranho? Imaginemos, agora, um cego de espírito conduzindo
uma multidão de cegos da mesma natureza, como acontece aos guias das religiões
tarifadas! Imaginemos esses cegos sucedendo-se no mundo espiritual. Que será de
todos eles? São cegos, o mundo onde entraram lhes é desconhecido! Como se
arranjarão esses cegos, na sua entrada para um mundo cuja existência negaram,
absortos que estavam nas miragens de um Céu de beatifica contemplação, de um
Purgatório de brasas e de um Inferno de chamas! Decididamente, ninguém pode
saber sem aprender, ninguém pode aprender sem estudar, assim como ninguém pode
ver, sendo cego. A parábola de Jesus cabe a todos aqueles que fazem da fé um
bloco de carvão e se submetem ao “magister dixit”, sem análise, sem estudo, sem
exame. Um cego não pode guiar outro cego; um ignorante do mundo espiritual não
pode guiar as almas que para ai se encaminham. Esta parábola, que faz alusão ao
sacerdócio hebreu, pode referir-se hoje ao sacerdócio romano e protestante,
assim como aos materialistas, modernos saduceus que tudo negam.
90 PARÁBOLA DO BOM SAMARITANO “Levantando-se um doutor da Lei
experimentou-o, dizendo: Mestre, que farei para herdar a vida eterna?
Respondeu-lhe Jesus: Que é o que está escrito na Lei? como lês tu? Respondeu
ele: Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de
toda a tua força e de todo o teu entendimento e ao próximo como a ti mesmo.
Replicou-lhe Jesus: Respondeste bem; faze isso e viverás. Ele, porém, querendo
justificar-se, perguntou a Jesus: E quem é o meu próximo? Prosseguindo, Jesus
disse: Um homem descia de Jerusalém a Jericó; e caiu nas mãos de salteadores
que, depois de o despirem e espancarem, se retiraram, deixando-o meio morto.
Por uma coincidência descia por aquele caminho um sacerdote; e quando o viu,
passou de largo. Do mesmo modo também um levita, chegando ao lugar e vendo-o,
passou de largo. Um samaritano, porém, que ia de viagem, aproximou-se do homem,
e, vendo-o, teve compaixão dele; e chegando-se, atou-lhe as feridas, deitando
nelas azeite e vinho; e pondoo sobre seu animal, levou-o para uma hospedaria e
tratou-o. No dia seguinte tirou dois denários, deu-os ao hospedeiro e disse:
Trata-o, e quanto gastares de mais, na volta to pagarei. Qual destes três te
parece ter sido o próximo daquele que caiu nas mãos dos salteadores? Respondeu
o doutor da Lei: Aquele que usou de misericórdia para com ele. Disse-lhe Jesus:
Vai e faze tu o mesmo.” (Lucas, X, 25-37.) Se examinarmos atentamente a
Doutrina de Jesus, veremos em todos os seus princípios a exaltação da humildade
e a humilhação do orgulho. As personalidades mais impressionantes e
significativas de suas parábolas são sempre os pequenos, os humildes, os
repudiados pelas seitas dominantes, os excomungados pela fúria e ódio
sacerdotal, os acusados pelos doutores da Lei, pelos rabinos, pelos fariseus e
escribas do povo, em 91 suma, os chamados heréticos e descrentes! Todos estes
são os preferidos de Jesus, e julgados mais dignos do Reino dos Céus que os
potentados da sua época, que os sacerdotes ministradores da lei, que os
grandes, os orgulhosos, os representantes da alta sociedade! Leiam a passagem
da “mulher adúltera”, a Parábola do Publicano e do Fariseu, a do Filho Pródigo,
a da Ovelha Perdida, a do Administrador Infiel, a do Rico e o lázaro; vejam o
encontro de Jesus com Zaqueu, ou com Maria de Betânia, que lhe ungiu os pés; as
Parábolas do Grão de Mostarda em contraposição à da frondosa Figueira Sem
Frutos, e a do Tesouro Escondido em contraposição à dos tesouros terrenos e das
ricas pedrarias que adornavam os sacerdotes! Esta afirmação se confirma com
esta sentença do Mestre aos fariseus e doutores da lei: “Em verdade vos afirmo
que as meretrizes e os pecadores vos precederão no Reino dos Céus.” E para que
melhor testemunho desta verdade, que aparece aos olhos de todos os que penetram
o Evangelho em espíritos, do que esta Parábola do Bom Samaritano? Os
samaritanos eram considerados heréticos aos olhos dos judeus ortodoxos; por
isso mesmo eram desprezados, anatematizados e perseguidos. Pois bem, esse que,
segundo a afirmação dos sacerdotes, era um descrente, um condenado, foi
justamente o que Jesus escolheu como figura preeminente de sua Parábola. O
interessante, ainda, é que a referida parábola foi proposta a um Doutor da lei,
a um judeu da alta sociedade que, para tentar o Mestre, foi inquiri-lo a
respeito da vida eterna. O judeu doutor não ignorava os mandamentos, e como os
podia ignorar se era doutor! Mas, com certeza, não os praticava! Conhecia a
teoria, mas desconhecia a prática. O amor de toda a alma, de todo o coração, de
todo o entendimento e de toda a força que o doutor Judeu conhecia, não era
ainda bastante para fazê-lo cumprir seus deveres para com Deus e o próximo. 92
Amava, como amavam os fariseus, como os escribas amavam e como amam os
sacerdotes atuais, os padres contemporâneos e os doutores da lei de nossos
dias. Era um amor muito diferente e quiçá oposto ao que preconizou o Filho de
Deus. É o amor do sacerdote, que, vendo o pobre ferido, despido e espancado,
quase morto, passou de largo; é o amor do levita (padre também da Tribo de
Levi), que, vendo caído, ensangüentado, nu e arquejante à beira do caminho, por
onde passava, um pobre homem, também se fez ao largo; é o amor dos egoístas, o
amor dos que não compreenderam ainda o que é o amor; é o amor do sectário
fanático que ama a abstração mas desama a realidade! Salientando na sua
Parábola essas personalidades poderosas da sua época, e cujo exemplo é
fielmente imitado pelo sacerdócio atual, quis Jesus fazer ver aos que lessem o
seu Evangelho que a santidade dessa gente não chega ao mínimo do Reino dos
Céus, ao passo que os excomungados pelas Igrejas, que praticam o bem, se acham
no caminho da vida eterna. De fato, quem é o meu próximo, se não o que
necessita de meus serviços, de minha palavra, de meus cuidados, de minha
proteção? Não é preciso ser cristão para se saber isto que o próprio Doutor da
Lei afirmou em resposta à interpelação de Jesus: “O próximo do ferido foi
aquele que usou de misericórdia para com ele.” Ao que Jesus disse, para lhe
ensinar o que precisava fazer a fim de herdar a vida eterna: “Vai, e faze tu a
mesma coisa.” O que equivale a dizer: Não basta, nem é preciso ser Doutor da
Lei, nem sacerdote, nem fariseu, nem católico, nem protestante, nem assistir a
cultos ou cumprir mandamentos desta ou daquela Igreja, para ter a vida eterna;
basta ter coração, alma e cérebro, isto é, ter amor, porque o que
verdadeiramente tem amor, há de auxiliar o seu próximo com tudo o que lhe for
possível auxiliar: seja com dinheiro, seja moralmente ensinando os que não
sabem, espiritualmente prodigalizando afetos e descerrando aos 93 olhos do
próximo as cortinas da vida eterna, onde o espírito sobrevive ao corpo, onde a
vida sucede à morte, onde a Palavra de Jesus triunfa dos preceitos e
preconceitos sacerdotais! *** Finalmente, a Parábola do Bom Samaritano
refere-se verdadeiramente a Jesus; o viajante ferido é a Humanidade saqueada de
seus bens espirituais e de sua liberdade, pelos poderosos do mundo; o sacerdote
e o levita significam os padres das religiões que, em vez de tratarem dos
interesses da coletividade, tratam dos interesses dogmáticos e do culto de suas
Igrejas; o samaritano que se aproximou e atou as feridas, deitando nelas azeite
e vinho, é Jesus Cristo. O azeite é o símbolo da fé, o combustível que deve
arder nessa lâmpada que dá claridade para a Vida Eterna — a sua Doutrina; o
vinho é o suco da vida, é o espírito da sua Palavra; os dois denários dados ao
hospedeiro para tratar do doente, são: a caridade e a sabedoria; o mais, que o
“enfermeiro” gastar, resume-se na abnegação, nas vigílias, na paciência, na
dedicação, cujos feitos serão todos recompensados. Enfim, o hospedeiro
representa os que receberam os seus ensinos e os “denários” para cuidarem do
“viajante ferido e saqueado”.
94 PARÁBOLA DO AMIGO IMPORTUNO “Se um de vós tiverdes um amigo e fordes
procurá-lo à meia-noite e lhe disserdes: Amigo, empresta-me três pães, porque
um amigo meu acaba de chegar à minha casa de uma viagem, e nada tenho para lhe
oferecer: e se do interior o outro lhe responder: Não me incomodes; a porta
está fechada, eu e meus filhos estamos deitados, não posso levantar-me para tos
dar, digo-vos: embora não se queira levantar para lhas dar, por ser seu amigo,
ao menos por causa da sua importunação se levantará e lhe dará quantos pães
precisar. E eu vos digo: Pedi, e dar-se-vos-á; buscai, e achareis; batei, e
abrir-se-vos-á. Pois todo o que pede, recebe; o que busca, acha; e ao que bate,
abrir-se-lhe-á. Qual de vós é o pai que, se o filho pedir um peixe, lhe dará em
vez de um peixe uma serpente? Ou se pedir m ovo, lhe dará um escorpião? Ora se
vós, sendo maus, sabeis ar boas dádivas a vossos filhos, quanto mais o vosso
Pai Celestial, que dará um bom Espírito aos que lho pedirem.” (Lucas XI, 5-13.)
Na Terra vê-se muita maldade, mas ao lado desta distinguem-se muitas ações
nobres e generosas, principalmente entre amigos, cujos sentimentos e aptidões
constituem laços de união e de simpatia. O homem pode não ser bom para com um
adversário, um inimigo, um desconhecido. Mas, quando se trata de um amigo,
mesmo dessa amizade que o mundo conhece, sem falar da amizade verdadeira que é
coisa rara nesta Terra de enganos e aparências, quando se trata de um amigo ou
de um conhecido que nos seja simpático, estamos prontos a servi-lo, seja de
dia, seja de noite, seja por ser amigo, seja para não sermos importunados. De
modo que, se um amigo bate à nossa porta à meia-noite para nos pedir três pães,
e se temos os três pães, levantamo-nos, servimos ao amigo e voltamos para o
nosso leito, para que não aconteça ficar o amigo a bater 95 por meia hora à
nossa porta e a repetir por dez ou vinte vezes o pedido de três pães,
perturbando o sono e a tranqüilidade de nossa família. Com esta alegoria quis
mostrar-nos Jesus a necessidade da prece, embora repetidas vezes e a qualquer
hora. Fez-nos ver assim que, sendo Deus todo solícito para com suas criaturas,
obrará com mais presteza provendo-nos do que é bom em qualquer lugar em que
estejamos e a qualquer momento em que lhe dirijamos o nosso apelo. Sendo a
bondade divina infinitamente superior à bondade de qualquer de nossos amigos,
se contamos com a resposta favorável destes nas nossas necessidades, claro está
que, se crermos em Deus, com mais forte razão deveremos crer na sua bondade e
na sua misericórdia. Jesus, para melhor exaltar a imaginação de seus discípulos
e fazer-lhes compreender a ação da prece, após haver-lhes ensinado o modo de
orar, julgou de bom alvitre fazer a exposição da parábola começando a
comparação com os amigos e concluindo-a com os pães. “Qual e o pai, perguntou o
Mestre, capaz de dar uma serpente ao filho que lhe pede um peixe? Qual é o pai
capaz de dar um escorpião ao filho que lhe pede um ovo?” E acrescentou: “Se
vós, sendo maus, sabeis dar boas dádivas aos vossos filhos, quanto mais o vosso
Pai celestial, que dará um bom Espírito aos que lho pedirem.” Já no tempo de
Jesus, mesmo entre seus discípulos, a superstição do Diabo, não raro sufocava a
predominância que os Espíritos bons tinham, mormente quando chamados para um
ato de caridade ou de ciência. Os fariseus, como acontece com os sacerdotes de
hoje, diziam que todos os fatos extraordinários que a ação de Jesus causava,
eram oriundos de Belzebu, príncipe dos demônios, tal como se pode verificar nos
versos subseqüentes do capítulo que estamos estudando. Os discípulos, como
dissemos, também se achavam impregnados dessa crença blasfema, que haviam
herdado de seus pais carnais. 96 Jesus que veio à Terra para anunciar a Palavra
do Deus de amor não podia deixar de combater o erro em que se achavam aqueles
que mais tarde teriam de ministrar aos homens a sua Doutrina de Perdão e de
Caridade. A parábola do amigo importuno é, pois, a excelente parábola em que o
Espírito bom tem a sua primazia. É claro que, se o nosso pai é incapaz de nos
dar uma serpente quando lhe pedimos um peixe, Deus, que é nosso Pai Espiritual,
não nos pode dar um Espírito ignorante, atrasado, quando lhe pedimos um
Espírito bom.
97 PARÁBOLA DO AVARENTO
“As
terras de um homem rico produziram muito fruto. E ele discorria consigo: Que
hei de fazer, pois não tenho onde recolher os meus frutos? E disse: farei isto:
derribarei os meus celeiros e os construirei maiores, e aí guardarei toda a
colheita e os meus bens e direi à minha alma: Minha alma, tens muitos bens em
depósito para largos anos; descansa, come e bebe e regala-te. Mas Deus
disse-lhe: Insensato, esta noite te exigirão a tua alma; e as coisas que
ajuntaste para quem serão? Assim é aquele que entesoura para si e não é rico
para com Deus.” (Lucas, XII, 16-21.) Quanto mais se avizinhava o tempo do
cumprimento da Missão do Divino Messias, mais Ele intensificava o seu trabalho
de difusão da Doutrina de que havia sido encarregado, pelo Supremo Senhor, de
trazer à Terra. Os escribas e fariseus já faziam planos sinistros para acabar
com a vida do Filho do Homem, quando o Mestre Excelente iniciou a exposição das
imaginosas parábolas que constituem um dos mais eloqüentes capítulos do Novo
Testamento. A Parábola do Avarento é uma síntese maravilhosa do trágico fim de
todos aqueles que não vêem a felicidade senão no dinheiro e se constituem em
seus escravos incondicionais. Para essa gente, havendo dinheiro, há tudo.
Periclite a família, cambaleie a sociedade, arraste-se o mendigo pelas vias
públicas envergonhado e descomposto, chore e soluce o aflito, grite de dores o
enfermo miserável ou o inválido sem pão e sem lar, nada comove esses corações
de pedra, nada lhes demove, nada consegue mudar-lhes ou desviar-lhes as vistas
dos “seus frutos”, dos seus celeiros, do seu ouro! 98 São homens desumanos, sem
alma; pelo menos ignoram a existência, em si mesmos, desse princípio imortal
que deve constituir, para todos, o principal objeto de cuidados e de carinho. A
avareza é a véspera da mendicidade, ou seja, o fator da miséria. Quantos
miseráveis perambulam pelas praças, implorando o óbulo e que, mesmo nesta
existência, foram ricos, sustentaram grandezas, bastos celeiros transbordantes!
Quantos párias se arrastam pelas ruas, a bater de porta em porta, implorando “uma
esmola pelo amor de Deus!” Qual a origem dessa situação penosa que atravessam,
qual a causa desses sofrimentos? A avareza! Ricos dinheiro, eram pobres para
com Deus, porque, embora não lhes faltasse tempo, nunca se dedicaram a Deus,
nunca procuraram a sua lei, nunca pesquisaram o próprio íntimo em busca de algo
que existe, que sente, que quer e não quer, que ama e que odeia, que vê o
passado, que ao menos, teme o futuro; nunca buscaram saber se essa centelha de
inteligência que lhes dá tanto amor ao ouro, tanta ganância pelos lucros
terrenos poderá, quiçá, sobreviver a esse corpo que, de uma hora para outra,
cairá exânime, para ser entregue ao banquete dos vermes! O que valem riquezas
efêmeras, sombras de felicidade que se esvaem, fumo de grandezas que desaparecem
à primeira visita de uma enfermidade mortal! O que valem celeiros repletos em
presença do “ladrão da morte”, que chega em momento inesperado, e, até, quando
nos julgamos em plena mocidade e com ótima saúde! Míseros avarentos dos bens
que Deus vos confiou! Pensais, porventura, que não tereis de prestar ao Senhor
severas contas desse depósito? Pensa que eles hão de permanecer conosco e
servirão para multiplicar cada vez mais a vossa fortuna? Em verdade vos afirmo
que vosso ouro se converterá em brasas a causticar vossa consciência! Em
verdade vos digo que ele se transformará em peias e algemas, resultantes da
ação nefasta que exercestes em detrimento dos que tinham fome, dos 99 que
tinham sede, dos enfermos desprezados, dos pobres trabalhadores de quem
explorastes o trabalho! Ricos! Movimentai esse talento que o Senhor vos
concedeu! Granjeai amigos com esse tesouro da iniqüidade, para que eles vos
auxiliem a entrar nos tabernáculos eternos! Fazei o bem; socorrei o pobre;
amparai o órfão; auxiliai a viúva necessitada; curai o enfermo, como se ele
fosse vosso irmão ou vosso filho; pagai com generosidade o trabalhador que está
ao vosso serviço! Fazei mais: comprai livros e aproveitai os momentos de ócio
para vos instruir, por que um rico ignorante é tanto como um asno de sela
dourada! Ilustrai o vosso Espírito; fazei para vós, tesouros e celeiros nos
Céus, onde os vermes não chegam, os ladrões não alcançam, a morte não entra!
Lembrai-vos da Parábola do Avarento, cuja alma, na mesma noite em que fazia castelos
no ar, foi chamada pelo Senhor!
100 PARÁBOLA DO SERVO VIGILANTE “Estejam cingidas as vossas cintas e
acesas as vossas candeias; e sê de vós semelhantes a homens que esperam pelo
seu senhor, ao voltar ele das bodas; para que, quando vier e bater à porta,
logo lha abram. Bemaventurados aqueles servos! a quem o senhor achar vigiando,
quando vier; em verdade vos digo que ele se cingirá, os fará sentar à mesa, e,
chegandose, os servirá. E quer ele venha na segunda vigília, quer na terceira,
bemaventurados serão eles, se assim os achar. Mas sabei que, se o dono da casa
tivesse sabido a hora a que havia de vir o ladrão, não haveria deixado arrombar
a sua casa. Estai, vós, também apercebidos, porque à hora que não pensais, virá
o Filho do Homem.” (Lucas, XII, 35-40.) Na esfera espiritual, como na material,
a qualidade indispensável do servo é ser vigilante. Servo vigilante é o que
trata com zelo dos misteres que lhe são afetos, correspondendo, como deve, ao
salário pelo qual se ajustou, e satisfazendo, ao mesmo tempo, as ordens que
recebe de seu senhor. A dissídia no trabalho, não só abate o crédito do
operário, como também lesa os interesses de seus superiores. O bom servo, que
trabalha nas coisas referentes ao Espírito, não tem tempo para se reclinar no
leito e, de candeia apagada, dormir o bom sono, esquecendo os trabalhos que lhe
são afetos. Precisa ele, com a cinta cingida e a candeia acesa, vigilante,
aguardar que o Senhor lhe bata à porta. Nenhum dos servos sabe em que vigília
chegará o Senhor, se na segunda, se na terceira; e a vinda do Senhor é tão
certa, como a descida das chuvas à terra, como a mudança do dia pela noite,
como o calor, como 101 o frio, como os ventos, como a volta dos cometas, como o
brilho das estrelas. Em linguagem evangélica, servo vigilante é o que estuda, é
o que pesquisa, perquire, e, de candeia acesa, isto é, com o entendimento
aclarado pela compreensão dos fatos que observou e dos estudos que fez, ilumina
os que lhe estão próximos, ensinando-lhes o caminho que vai ter a Deus, que não
pode ser outro que o da caridade, bem compreendida, como ensina o Espiritismo!
102 PARÁBOLA DOS PRIMEIROS LUGARES
“Ao
anotar como os convidados escolhiam os primeiros lugares, propôs-lhes esta
parábola: Quando fores por alguém convidado para um casamento, não te sentes no
primeiro lugar; para não suceder que seja por ele convidada uma pessoa mais
considerada do que tu e; vindo o que te convidou a ti e a ele, te diga: Dá o
lugar a este; e então irás envergonhado ocupar o último lugar. Pelo contrário,
quando fores convidado, vai tomar o ultimo lugar, para que, quando vier o que
te convidou, te diga: Amigo, senta-te mais para cima; então isto será para ti
uma honra diante de todos os mais convivas. Pois todo o que se exalta, será
humilhado; mas todo o que se humilha, será exaltado.” (Lucas, XIV, 7-11.) É
costume dos orgulhosos, que querem ostentar grandeza, ocupar na sociedade as
posições mais distintas; tornarem-se salientes, para atrair atenções. Jesus,
que costumava freqüentar certas reuniões em ocasiões que julgava próprias, para
estudar o caráter e a psicologia das gentes, antes de propor a seus discípulos
a Parábola da Grande Ceia, julgou de bom aviso ensinar-lhes que, mesmo como
convivas desse “banquete espiritual”, não deveriam pleitear os primeiros
lugares, posições inadequadas aos que devem observar estritamente a humildade,
único meio de exaltação e de conquista de mérito. Nenhum valor tem para Jesus
os que se salientam pomposamente nos primeiros lugares e praticam todas as
obras que aparentemente são boas, para serem visto pelos homens; os que alargam
seus filactérios, alongam suas fímbrias, e gostam do primeiro lugar nos
banquetes, das primeiras cadeiras nas sinagogas, das saudações nas praças
públicas e de serem chamados mestres. 103 O conviva da “grande ceia” deve ser
sóbrio, modesto, prudente, recatado, cheio de boa vontade, laborioso, e, em vez
de se recostar comodamente no primeiro lugar que encontra vago em torno da mesa
do banquete, deve fazer-se como o servo que, depois de bem examinar as
iguarias, serve eqüitativamente aos convivas, segundo o paladar de cada um
deles. “A cadeira de Moisés”, o estudante do Evangelho já o sabe, não deve ser
ocupada pelos novos convivas da “grande ceia”, para que lhes não seja aplicado
o libelo condenatório pronunciado pelo Mestre contra os escribas e fariseus.
(Mateus, XXIII.) A sentença do Mestre “O que se exalta, será humilhado; mas o
que se humilha, será exaltado”, tem estrita aplicação a todos os que já
receberam a Palavra de Jesus em espírito e verdade. Na Parábola do Bom Servo
está escrita a obrigação dos que desejam os “primeiros lugares espirituais”.
Não é por ocupar os “primeiros lugares na sociedade” que os obteremos. Ninguém
pense galgar as eminências da glória, sem haver prestado seus serviços à causa
da Verdade, sem ter experimentado, para tal fim, provas difíceis de vencer, sem
haver triunfado nas lutas, sem ter vencido o mundo com suas enganadoras
miragens. Os primeiros lugares espirituais não são aqueles em que somos
honrados, mas aqueles em que nos colocamos para honrar; não são aqueles em que
somos servidos, mas os em que nos dão ensejo de servir. “O Filho do Homem não
veio ao mundo para ser servido, mas para servir.” A Parábola de Jotam,
pronunciada no crime de Gerizim, para exortar o povo de Shechem, pode ser
repetida hoje aos que conquistam as glórias e querem naturalmente obter aquelas
que não passam como a flor da erva:
104 AS ÁRVORES QUE ESCOLHEM UM REI
(Tradução Livre) Certa vez as árvores
deliberaram escolher um rei. Uniram suas vozes e disseram à oliveira: reina
sobre nós. A oliveira respondeu: deixarei, porventura, a minha gordura, que se
usa para honrar aos deuses e aos homens, para reinar sobre árvores? Voltaram-se
as árvores para a figueira e lhe disseram: Vem, então, tu, e reina sobre nós.
Mas a figueira respondeu: Deixarei, porventura, a minha doçura e as demais
qualidades que possuo para reinar sobre árvores? Em vista da recusa, as árvores
se congregaram em torno da videira e disseram-lhe: Vem tu, e reina sobre nós. A
videira também se escusou, dizendo: hei de deixar o meu suco que alegra aos
deuses e aos homens, para dominar sobre árvores? Então as árvores voltaram-se
para o espinheiro e lhe disseram: Vem tu e reina sobre nós. Ao que o espinheiro
respondeu: Se vós, na verdade, me ungis vosso rei, vinde e refugiai-vos debaixo
da minha sombra; mas; se não, do espinheiro sairá fogo que devorará os cedros
do Líbano. *** Este apólogo, que encerra profundos ensinamentos sob o véu da
letra, deixa ver bem claro que os nossos deveres espirituais para com os
homens, e para com Deus, não devem ser substituídos por qualquer oferta que nos
façam, embora elas aparentem fins de interesse público ou pareçam visar glórias
espirituais.
105 PARÁBOLA DA GRANDE CEIA
“Um
homem deu uma grande ceia, e convidou a muitos; e à hora da ceia enviou o seu
servo para dizer aos convidados: Vinde, porque tudo já está preparado.
Começaram todos à uma a escusar-se. Comprei um campo, disse um, e preciso ir
vê-la; rogo-te que me dês por escusado. Comprei cinco juntas de bois, disse
outro, e vou experimentá-las; rogo-te que me dês por escusado. Casei-me, disse
outro ainda, e por isso não posso ir. O servo voltou e contou isto ao seu
senhor. Então, irado, o dono da casa disse ao seu servo: Sai depressa para as
ruas e becos da cidade e traze para aqui os pobres, os aleijado, os cegos e os
coxos. Disse o servo: Senhor, feito está o que ordenaste e ainda há lugar.
Respondeu-lhe o senhor: Sai pelos caminhos e atalhos e obriga a todos a entrar,
para que se encha a minha casa; porque vos declaro que nenhum daqueles homens
que foram convidados, provará a minha ceia”. (Lucas, XIV, 16-24.) O apego ao
mundo e as coisas do mundo, priva o homem das bênçãos de Deus. Certa vez,
encontrando Jesus um moço de qualidade e rico, que observava todos os
mandamentos, mas não observava o principal dos mandamentos que se constitui no
desapego às coisas do mundo, disse: “É mais fácil um camelo passar pelo fundo
duma agulha, do que um rico salvar-se”. O homem superior, o Espírito evoluído,
jamais prefere os bens da Terra em detrimento dos bens do Céu, porque sabe que
aqueles se extinguem e estes permanecem para sempre. Não há campo, não há bois,
não há casamento, capazes de desviar o homem de bem dos seus deveres
espirituais. 106 Ele sabe atender com solicitude a todos os apelos do Alto,
embora se arruínem os campos, fiquem os bois sem serem experimentados e se
transfira o casamento. O contrário se dá com o homem do mundo: preso aos
negócios, às diversões, à ganância louca, esquecem-se de seus deveres para com
Deus, de seus deveres para com seu próximo, de seus deveres para consigo mesmo,
isto é, dos deveres espirituais que tem de realizar no mundo. Nesta parábola
Jesus faz alusão às suas próprias prédicas, que se constituem no banquete
espiritual; a diversidade de ensinos sistematizando a bela e excelente Doutrina
Cristã, são os “pratos” variados da grande mesa em que todos podem fartar-se,
para não mais sentir aquela fome de saber. Os convidados foram os grandes, os
potentados, os afazendados, que se negaram a ouvir a Palavra do Reino de Deus,
que não quiseram comparecer a esse banquete celestial. São estes os excluídos
das bênçãos do Céu, porque as recusaram, preferindo os deleites do mundo. Os
pobres, coxos, aleijados e cegos são os que não têm campos, não têm bois para
experimentar, nem casamento para privá-lo do comparecimento à ceia. São os
deserdados das mundanas glórias, das mundanas pompas, dos bens mundanos e os
que consideram os chamados do Céu superiores aos chamados da Terra. De fato, a
Palavra de Jesus exclui todas as honras, etiquetas e preconceitos terrenos!
Para nos chegarmos a Ele precisamos nos comparar a uma criança que não tem
idéias preconcebidas, que não tem campos, bois, casamentos, porque a palavra de
Jesus é superior a tudo e requer de nós o máximo respeito, a máxima
consideração, o maior acatamento! E essa palavra não passou! A mesa continua
cheia de manjares de várias qualidades, capazes de satisfazer os mais exigentes
paladares, assim como os grandes do mundo, os proprietários de campos e de bois
continuam recusando-se a comparecer a tão atencioso convite. 107 A Parábola é a figura do que acontecia na
época do nascimento do Cristianismo, e é a figura do que acontece nos nossos
tempos: os “graúdos” deste mundo não querem responder ao apelo que se lhes faz,
por isso os pequenos e deserdados enchem a mesa, embora, como disse o servo
encarregado do convite: “ainda há lugar para os que quiserem comparecer”. O
Cristianismo, em seu complemento espírita, realiza novamente esse chamado, e
estamos certos de que todas as ovelhas que constituirão o único rebanho do
Supremo Pastor ouvirão os incessantes chamados que lhes estão sendo feitos, e
corresponderão, com solicitude e boa vontade, aos divinos convites que partem
de todos os recantos do mundo.
108 PARÁBOLA DA DRACMA PERDIDA “Qual é a mulher que tendo dez dracmas e
perdendo uma, não acende a candeia, não varre a casa e não a procura
diligentemente até achá-la? Quando a tiver achado, reúne as suas amigas e
vizinhas, dizendo: Regozijai-vos comigo, porque achei a dracma que tinha
perdido! Assim, digo-vos, há júbilo na presença dos anjos de Deus por um
pecador que se arrepende.” (Lucas, XV, 8-10.) O principal escopo de Jesus,
durante toda a sua existência na Terra, foi demonstrar aos homens a
Imortalidade da Alma, a Vida Eterna, a bondade, a misericórdia, a solicitude
desse Deus, que Ele anunciava, para com todas as suas criaturas. Nunca o Mestre
exigiu de seus discípulos holocaustos e sacrifícios. O que Ele queria é que o
amassem, que cressem na sua Palavra e confiassem no Pai, que ele tinha vindo
anunciar, Pai criador e zelador de toda a sua criação, de todas as suas obras;
que veste os lírios e as açucenas, e alimenta os passarinhos; que procura a
ovelha perdida; que recebe o filho pródigo, e que sente grande contentamento
quando um de seus filhos para Ele se volta e lhe solicita os benefícios de que
necessita para sua ascensão espiritual! Para bem gravar os Seus ensinos na
imaginação de seus ouvintes, o Mestre amoroso, sempre que se lhe oferecia
ocasião, fazia comparações servindo-se de ocorrências que se verificavam todos
os dias, exaltando assim os impecáveis atributos de Deus. A Parábola da Dracma
Perdida, que não passa de um simples episódio, em que Jesus reuniu às
exortações que fez certa vez aos publicanos e pecadores, compara Ele a alegria
que há no Mundo Espiritual, na presença 109 dos Mentores, quando um pecador se
arrepende, com a alegria que tem uma mulher ao achar 315 réis (uma dracma) (*),
que havia perdido! (*) Modernamente, a dracma é a unidade monetária da Grécia,
dividida em 100 Kepta e cotada a 30 por dólar (1968) E faz ver que, pela mesma
forma que a mulher, ao perder a dracma, acende a candeia, varre a casa e
procura-a diligentemente até achá-la, também Deus emprega todos os meios que
sabiamente sugere aos Espíritos seus Mensageiros para encontrar a sua dracma,
ou seja o pecador que se perdeu, a fim de ser ele restituído à casa paterna. O
Deus de Jesus, como se vê, é o Deus sábio e benevolente, o Deus amoroso e
caritativo, e não o “Deus” pródigo, cioso, vingativo e mau, ensinado pelas
religiões humanas, pelos sacerdotes. É isto que quer a parábola: exaltar a
bondade e o amor de Deus, que em nós desperta princípios de sabedoria, para nos
aproximarmos do Supremo Senhor.
110 PARÁBOLA DO FILHO PRÓDIGO “Um homem tinha dois filhos. Disse o mais
moço a seu pai: Meu pai, dá-me a parte dos bens que me toca. E ele repartiu os
seus haveres entre ambos. Poucos dias depois o filho mais moço ajuntando tudo o
que era seu, partiu para um país longínquo e lá dissipou todos os seus bens,
vivendo dissolutamente. Depois de ter consumido tudo, sobreveio àquele pais uma
grande fome e ele começou a passar necessidades. Então foi encostar-se a um dos
cidadãos daquele pais e este o mandou para seus campos a guardar porcos; ali
desejava ele fartar-se das alfarrobas que os porcos comiam, mas ninguém lhas
dava. Caindo, porém, em si, disse: Quantos jornaleiros de meu pai têm pão com
fartura e eu aqui, morrendo de fome! Levantar-me-ei, irei a meu pai e
dir-lhe-ei: Pai, pequei contra o Céu e diante de ti; já não sou digno de ser
chamado teu filho; trata-me como um dos teus jornaleiros. E levantando-se foi a
seu pai. Estando ele ainda longe, seu pai viu-o e teve compaixão dele, e;
correndo, o abraçou e o beijou. Disse-lhe o filho: Pai, pequei contra o Céu e
diante de ti; já não sou digno de ser chamado teu filho. O pai, porém, disse
aos seus servos: trazei depressa a melhor roupa e vesti-lha, e ponde-lhe o anel
no dedo e sandálias nos pés; trazei também um novilho cevado, matai-o, comamos
e regozijemo-nos, porque este meu filho era morto e reviveu, estava perdido e
se achou. E começaram a regozijar-se. Ora, o seu filho mais velho estava no
campo; e, quando voltou e foi chegando à casa, ouviu a música e a dança, e
chamando os criados perguntou-lhes o que era aquilo. Um deles respondeu: Chegou
teu irmão e teu pai mandou matar o novilho cevado, porque o recuperou com
saúde. Então ele se indignou, e não queria entrar; e, sabendo disso, seu pai
procurava conciliá-lo. Mas ele respondeu: Há tantos anos que te sirvo, sem
jamais transgredir uma ordem tua, e nunca me deste um cabrito para eu me
regozijar com os meus amigos; mas, quando veio este teu filho que gastou teus
bens com meretrizes, tu 111 mandaste matar o novilho mais gordo. Respondeu-lhe
o pai: Filho, tu sempre estás comigo, e tudo que é meu é teu; entretanto,
cumpria regozijarmo-nos e alegrarmo-nos, por que este teu irmão era morto e
reviveu, estava perdido e se achou.” (Lucas, XV, 11-32.) Esta Parábola imaginosa
relatada pelo Evangelista Lucas é a doce e melodiosa Palavra de Jesus, dizendo
aos homens da bondade sem limites, da caridade infinita de Deus! Ambas as
individualidades que representam o Filho Obediente e o Filho Desobediente
simbolizam a Humanidade Terrestre. O Pai de ambos aqueles filhos, simboliza
Deus. Uma pequena, pequeníssima parte da Humanidade personificada no Filho
Obediente, se esforça por guardar a Lei Divina e permanece, portanto, na Casa
do Pai. A outra parte personifica o Filho Desobediente, que, de posse dos
haveres celestiais, dissipa todos esses bens e vive dissolutamente, até chegar
ao extremo de ter de comer das alfarrobas que os porcos comem. Esse extremo é
que o força a voltar à casa paterna, onde, acolhido com benemerência e conforto,
volta a participar das regalias concedidas aos outros filhos. Em resumo: esta
simples alegoria, capaz de ser compreendida por uma criança, demonstra o amparo
e a proteção que Deus sempre reserva a todos os seus filhos. Nenhum deles é
abandonado pelo Pai Celestial, tenha os pecados que tiver, pratique as faltas
que praticar, porque se é verdade que o filho chega a perder a condição de
filho, o Pai nunca perde a condição de Pai para com todos, porque todos somos
criaturas suas. Estejam eles onde estiverem, quer no Mundo, quer no Espaço;
quer neste planeta, quer em país longínquo, ou seja noutro planeta, com um
corpo de carne ou com um corpo espiritual, o Pai a nenhum despreza, a nenhum
abandona, porque nos criou para gozarmos da sua Luz, da sua Glória, do seu
Amor! 112 O Pai Celestial não é o pai da carne e do sangue, pois como disse o
Apóstolo: “a carne e o sangue não podem herdar o Reino de Deus”; a carne e o
sangue são corruptíveis, só o Espírito é incorruptível, só o Espírito permanece
eternamente. O Pai Celestial é Espírito, é Deus de Verdade, Deus Vivo, por isso
seus filhos também são Espíritos que permanecem na Imortalidade. A Luz, a
Verdade, o Amor não foram criados para os corpos, mas sim para as almas. Como
poderia Deus criar um “filho pródigo”, a não ser para que ele, depois de passar
pela experiência dura do mal que praticou, voltar para o seu Criador, e,
arrependido, propor o não mais ser perdulário, mas adaptar-se à Vontade Divina,
e caminhar para os destinos felizes que lhe estão reservados! Como poderia Deus
criar uma alma ao lado de um Inferno Eterno! Que pai é esse que produz filhos
para mandá-los atormentar para sempre? A Parábola do Filho Pródigo é a
magnificência de Deus e ao mesmo tempo o solene e categórico protesto de Jesus
contra a doutrina blasfema, caduca, irracional das penas eternas do Inferno,
inventada pelos homens. Não há sofrimentos eternos, não há dores infindáveis,
não há castigos sem fim, porque se os mesmos fossem eternos, Deus não seria
justo, sábio e misericordioso. Há gozos eternos, há prazeres inextinguíveis, há
felicidades indestrutíveis por todo o infinito, esplendores por toda a Criação,
Amor por toda a Eternidade! Erguei as vossas vistas para os céus. O que vedes?
Um manto estrelado sobre vossas cabeças, chispas luminosas vos cercam de
carícias; fulgurações multicores vos atraem para as regiões da felicidade e da
luz! Olhai para baixo, para a terra, para as águas: o que vedes? Essas chispas,
essas luzes, essas estrelas, essas cintilações retratadas no espelho das águas,
nas carolas das flores, nos tapetes verdejantes dos campos; 113 porque das
luzes nascem as cores, são elas que dão colorido às flores, que iluminam os
campos, que agitam as águas! Ó! homem, onde quer que estejas, se quiseres ver
com os olhos do Espírito, verás a bondade e o amor de Deus animando e
vivificando o Universo inteiro! Tanto em baixo como em cima, à esquerda como à
direita, se abrires os olhos da razão, verás a mesma lei sábia, justa,
eqüitativa, regendo o grão de areia e o gigantesco Sol que se baloiça no
Espaço; o infusório que emerge, a gota d’água e o Espírito de Luz, que se eleva
sereno às regiões bem-aventuradas da Paz! A Lei de Deus é igual para todos: não
poderia ser boa para o bom e má para o mau; porque tanto o que é bom quanto o
que é mau estão sob as vistas do Supremo Criador, que faz do mau bom, e do bom
melhor: pois tudo é criado para glorificar o seu Imaculado Nome! Não há
privilégios nem exclusões para Deus; para todos Ele faz nascer o seu Sol, para
todos faz brilhar suas estrelas, para todos deu o dia e a noite; para todos faz
descer a chuva! *** Quando a criatura humana, num momento de irreflexão se
afasta de Deus, e, dissipando os bens que o Criador a todos doou, se entrega a
toda sorte de dissoluções, a dor e a miséria, esses terríveis aguilhões do
Progresso Espiritual ferem rijo a sua alma orgulhosa até que, num momento
supremo de angústia, ela possa elevar-se para Deus e deliberar reentrar no
caminho da perfectibilidade. É então que, como o Filho Pródigo, o homem
transviado, tocado pelo arrependimento, volta-se para o Pai carinhoso e diz:
“Pai, pequei contra o Céu e contra ti; já não sou digno de ser chamado teu
filho...” E Deus, nosso amoroso Criador, que já o havia visto em caminho para
dEle se aproximar e rogar, abre àquele filho as portas da regeneração e lhe
faculta todas as dádivas, todos os dons necessários para esse grandioso
trabalho da perfeição espiritual. 114 Está escrito no Evangelho que houve um
banquete com música e festa à chegada do Filho Pródigo à Casa Paterna. Está
escrito mais, que o Pai mandou ver a melhor roupa para vestir o filho que
voltou, as melhores sandálias para lhes resguardar os pés e, ainda lhe colocou
no dedo um belo anel, tal foi a alegria que teve, e tal é a alegria nos Céus,
quando uma alma transviada, para os Céus se volta. O Pai está sempre pronto a
receber o Filho Pródigo, e os Céus estão sempre abertos à sua chegada Não há
falta, por maior que seja, que não se possa reparar; assim como não há nódoa,
por mais fixa que pareça, que não se possa apagar. Tudo se retempera, tudo se
corrige, tudo se transforma, do pequeno para o grande, do mau para o bom, das
trevas para a luz, do erro para a verdade! Tudo limpa, tudo alveja, tudo reluz
ao atrito do fogo sagrado do Progresso, tudo se aperfeiçoa, tudo evolui, todas
as almas caminham para Deus! Eis o que diz o Evangelho, mas o Evangelho de
Jesus Cristo, o Evangelho do Amor a Deus e ao próximo. Completando a Parábola,
vemos que o Filho Pródigo recebeu os bens, saiu de casa, esbanjou-os
dissolutamente numa vida desregrada. E o que não foi Pródigo, o Filho
Obediente, por seu turno, enterrou seus bens, como aquele que enterrou o
talento da Parábola. O que diz o Evangelho que o Filho Obediente fez dos bens
que possuía? Ele vivia à custa do Pai, participava de todos os bens que havia
em casa, e, com a chegada do irmão, ao ver a festa com que aquele foi recebido,
entristeceu-se: cheio de egoísmo, de avareza, revoltou-se contra o Pai!
Infelizmente, é assim esta atrasada Humanidade! Ela se compõe de Filhos Pródigos
e de Filhos Obedientes, mas estes parecem ser ainda piores que aqueles! 115 E
tanto é verdade o que nos passa pela mente, que, ao concluir a Parábola, o
Mestre exalta os pródigos que voltam e censura os obedientes que ficam, não só
com os bens que receberam, como, também, com as paixões más de que não se
querem despojar! Mas a Humanidade progride, e este mundo passará a hierarquia
mais elevada com a vinda de Espíritos melhores, que nos orientarão para o Bem e
o Belo, para a realização total dos nossos destinos!
116 PARÁBOLA DO ADMINISTRADOR INFIEL
“Disse Jesus aos discípulos: Havia um homem
rico, que tinha um administrador; e este lhe foi denunciado como esbanjador dos
seus bens. Chamou-o e perguntou-lhe: que é isto que ouço dizer de ti? Dá conta
da tua administração; pois já não podes mais ser meu administrador. Disse o
administrador consigo: Que hei de fazer, já que o meu amo me tira a
administração? Não tenho forças para cavar; de mendigar tenho vergonha. Eu sei
o que hei de fazer para que, quando for despedido do meu emprego, me recebam em
suas casas. Tendo chamado cada um dos devedores do seu amo, perguntou ao
primeiro: Quanto deves ao meu amo? Respondeu ele: Cem cados de azeite.
Disse-lhe então: Toma a tua conta, senta-te depressa e escreve cinqüenta.
Depois perguntou a outro: E tu, quanto deves? Respondeu ele: Cem coros de
trigo. Disse-lhe: Toma a tua conta e escreve oitenta. E o amo louvou o
administrador iníquo, por haver procedido sabiamente; porque os filhos deste
mundo são mais sábios para com a sua geração do que os filhos da luz. E eu vos
digo: Granjeai amigos com as riquezas da iniqüidade, para que, quando estas vos
faltarem, vos recebam eles nos tabernáculos eternos. Quem é fiel no pouco,
também é fiel no muito; e quem é injusto no pouco, também é injusto no muito.
Se, pois, não fostes fiéis nas riquezas injustas, quem vos confiará as
verdadeiras? E se não fostes fiéis no alheio, quem vos dará o que é vosso?
Nenhum servo pode servir a dois senhores; porque ou há de aborrecer a um e amar
a outro, ou há de unir-se a um e desprezar ao outro. Não podeis servir a Deus e
às riquezas.” (Lucas, XVI, 1-13.) O sentido oculto desta parábola visa a estas
duas qualidades, pelas quais se reconhece a bondade ou a maldade do homem:
fidelidade e infidelidade. 117 Fidelidade é a constância, a firmeza e a
lealdade com que agimos em todos os momentos da vida: na abastança como na
pobreza, nas eminências dos palácios como na humildade das choupanas, na saúde
como na enfermidade, e até nos umbrais da morte como no apogeu da vida. O
Apóstolo Paulo, demonstrando sua lealdade, sua constância, sua fidelidade, sua
firmeza de caráter, dizia: “Quem me separará do amor de Cristo?” A fidelidade é
a pedra de toque com que se prova o grau do caráter do homem. É fiel nos seus deveres?
Tem forçosamente todas as qualidades exigidas ao homem de caráter:
reconhecimento, gratidão, indulgência, caridade, amor, porque a verdadeira
fidelidade não se manifesta com exceções ou preferências. Aquele que caminha
para se aperfeiçoar em tudo, obedece à sentença de Jesus: “Sede perfeitos como
perfeito é o vosso Pai Celestial.” Pelo que se conclui: expondo a parábola,
Jesus teve por fim exortar seus discípulos a se aplicarem nessa virtude, que se
chama fidelidade, para que pudessem um dia representá-la condignamente, tal
como se manifesta nos Céus. Como tudo na Natureza e como tudo o que se faz
mister para a perfeição, quer no plano físico ou na esfera intelectual e moral,
a fidelidade vai-se engrandecendo em nós à proporção que nela nos aperfeiçoamos.
Não a adquirimos de uma só vez em sua plenitude, mas paulatinamente,
gradativamente. E aquele que já a possui em certo grau, como o “administrador
infiel” da parábola, faz jus à benevolência divina. Pelo estudo analítico da
Parábola vemos que o administrador foi acusado por alguém, ou por outra, foi
denunciado como esbanjador dos bens de seu patrão, pelo que este resolveu
chamá-lo à ordem, perguntando-lhe: “O que quer dizer esta denúncia que tive de
ti? Dá conta 118 da tua administração; pois dessa forma não podes mais ser meu
empregado.” Pela prestação de contas verificou-se não ter havido esbanjamento,
mas sim facilidade em negócios, que prejudicaram o patrão. O prejuízo constava
de vendas feitas sem dinheiro e sem documentos: cem cados de azeite e cem coros
de trigo. Tanto assim que, legalizadas as contas, com as letras correspondentes
ao valor de cinqüenta cados de azeite e oitenta coros de trigo”, “o amo louvou
o administrador iníquo, por haver procedido sabiamente. E salientando a seus
discípulos a boa tática comercial do empregado que não só garantia a empresa
que lhe fora confiada, mas também constituía um bom meio de granjear amigos,
disselhes: “Granjeai amigos com as riquezas da iniqüidade, para que, quando
estas vos faltarem, vos recebam eles nos tabernáculos eternos.” É o mesmo que
dizer: auxiliai, com as vossas sobras, os que têm necessidade e sede também
indulgentes para com os pecadores, não lhes imputando o mal que fazem; mas
antes, ao que deve cem cados de mal, mandai-o escrever só cinqüenta, e, ao que
deve cem coros de erros, mandai-os escrever oitenta; mas observai-os, que
precisam trabalhar para resgatar essa dívida. Fazei como fez o administrador
infiel, assim chamado pelos seus acusadores, mas que, na verdade, procedeu
sabiamente, “porque quem é fiel no pouco, também é fiel no muito; e quem é
injusto no pouco, também é injusto no muito.” “Se não tostes fiéis nas riquezas
injustas, quem vos confiará as verdadeiras? E se não fostes fiéis no alheio
quem vos dará o que é VOSSO?” As riquezas da iniqüidade são os bens materiais,
dos quais não somos mais que depositários; são riquezas injustas e não são
NOSSAS, porque não prevalecem para a OUTRA VIDA. O que é NOSSO são os bens
incorruptíveis, dos quais Jesus falou também a seus discípulos, para que os
buscassem de preferência, porque 119 “os vermes não os estragam, a ferrugem não
as consome, os ladrões não os alcançam nem a morte os subtrai.” Os discípulos,
— como têm obrigação de fazer todos os que querem ser discípulos de Jesus —
deveriam servir somente a Deus, que é o AMO, não se escravizando a qualquer
inconsciente endinheirado ou pseudo-sábio que lhe queira dominar a consciência:
não se pode servir a Deus e a Mamon! Conclui-se de tudo o que acabamos de ler
que o título de infiel, dado ao administrador, foi mal aplicado, torcendo por
completo o sentido que Jesus deu à mesma parábola. A palavra divina, pelo ser
falha quando de humana interpretação, fazse mister recorrermos às Entidades
Superiores do Espaço, para que lhe compreendamos sempre o sentido em espírito e
verdade.
120 PARÁBOLA DO RICO E LÁZARO “Havia um homem rico, que se vestia de
púrpura e de linho finíssimo, e que todos os dias se regalava esplendidamente.
Havia também certo mendigo, chamado Lázaro, coberto de chagas, que estava deitado
ao seu portão, desejoso de fartar-se com as migalhas que caíam da mesa do rico,
mas ninguém lhas dava; e os cães vinham lamber-lhe as úlceras. “Morreu o
mendigo, e foi levado pelos anjos para o seio de Abraão; morreu também o rico,
e foi sepultado. “No Hades, estando em tormento, levantou os olhos e viu ao
longe Abraão e a Lázaro no seu seio. “E clamou: Pai Abraão, tem compaixão de
mim! E manda a Lázaro que molhe a ponta do seu dedo, e me refresque a língua,
porque estou atormentado nesta chama! “Mas Abraão respondeu: Filho, lembra-te
de que recebeste os teus bens na tua vida e Lázaro do mesmo modo os males;
agora, porém, ele está consolado, e tu em tormentos. Demais, entre nós e vós
está firmado um grande abismo, de modo que os que querem passar daqui para vós
não podem, nem os de lá passar para nós. “Ele replicou: Pai, eu te rogo, então,
que os mandes à casa de meu pai (pois tenho cinco irmãos) para os avisar a fim
de não suceder virem eles também para este lugar de tormento! Mas Abraão disse:
Eles têm Moisés e os profetas; ouçam-nos. Respondeu ele: Não, Pai Abraão, mas
se alguém for ter com eles dentre os mortos, hão de se arrepender. Replicou-lhe
Abraão: se não ouvem a Moisés e aos profetas tampouco se deixarão persuadir,
ainda que ressuscite alguém dentre os mortos.” (Lucas, Cap. XVI, v. 19-31.) 121
Este ensino é a proclamação da Lei da Caridade, cuja execução é imprescindível
para todos os que se abrigam sob o seu pálio santo, como também para os que
fogem aos seus generosos convites. O Rico e o pobre Lázaro personificam a
Humanidade, sempre rebelde aos ditames da Luz e da Verdade. O Rico gozou no
mundo e sofreu no Espaço; o Lázaro sofreu no mundo e gozou no Espaço. Este Rico
que se vestia de púrpura e que todos os dias se regalava esplendidamente, é o
símbolo daqueles que querem tratar da vida do corpo e esquecem-se da vida da
alma. São os que buscam a felicidade no comer, no beber e no vestir; são os que
se entregam a todos os gozos da matéria, são os egoístas que vivem unicamente
para si, os orgulhosos que, entronados nos altares das paixões vis, da vaidade,
da soberba, não vêem senão o que lhes pode saciar a sede de prazeres, não
cultivam senão a luxúria, que mata os sentimentos afetivos e anula os dotes de
coração. O rico é a personificação daqueles que são escravos do reino do mundo,
que não vêem mais do que o mundo, esse “paraíso perdido” entre os charcos da
degradação moral, que avilta as almas e as atira aos infernos hiantes dos
vícios. Jesus falava geralmente por parábolas; e esta lição que o Mestre
ofereceu há 2.000 anos aos povos da Palestina, e que consta do Evangelho de
Lucas como um conselho salutar e memorável, nada mais é do que uma parábola; é
um ensino alegórico, representativo do que se passa no Espaço, para afirmar que
a nossa Vida Ultra-Tumba, é uma conseqüência justa e eqüitativa da nossa
existência na Terra. O rico passou toda a sua vida a se fartar esplendidamente,
a desprezar os pobres, a desprezar Deus, a não curar da sua Lei, a dar as
costas à Religião, a gozar e a folgar, mas, quando morreu, não pode continuar a
viver como vivia, vestindo-se de púrpura, comendo manjares, bebendo licores,
porque no mundo dos Espíritos não há púrpuras, não há manjares, 122 não há
licores. Ele já se havia fartado com os prazeres da Terra, não podia fartar-se
depois com os prazeres do Céu, porque não os havia buscado, nem havia adquirido
o tesouro com que se conquista as glórias celestes. Nu, sem dinheiro, sem
crédito para arranjar melhor “morada”, lhe foi destinado o Hades, e, segundo
diz o texto, ele lá se achava, contrariado, por lhe faltarem as comodidades que
tivera na Terra, os gozos de que fizera o seu reino no mundo. *** Lázaro
representa os excluídos da sociedade terrena, aqueles que, quando muito, podem
chegar ao portão dos grandes templos, aqueles que não podem atravessar os
umbrais dos palácios dourados, aqueles que essa sociedade corrompida do mundo
despreza, amaldiçoa, cobre de labéus, crava de setas venenosas que lhes chagam
o corpo todo. Os Lázaros não são esses pobres orgulhosos do mundo, que não têm
muitas vezes o que comer e o que vestir, mas estão cobertos com a púrpura do
orgulho; não é essa gente que não tem dinheiro mas tem vaidade; não tem
palácios, mas tem egoísmo; não tem jantares opíparos, mas tem prazeres
nefastos; não, os pobres, de que Lázaro serviu de símbolo na parábola, são os
que sofrem com resignação, são os que desprezam os bens da Terra, porque buscam
as coisas de Deus; são aqueles que se vêem usurpados daquilo que por direito
lhes pertence no mundo, mas, pacientes e resignados, não se revoltam, porque
crêem no futuro e esperam as dádivas que lhes estão reservadas por Deus. Eles
sabem, porque estudam, esperam e oram, que existe um Criador, um Pai Supremo,
que lhes dará o prêmio de suas vigílias, um salário pelos seus afazeres morais,
uma luz para sua orientação espiritual; e que esse prêmio, esse salário, essa
luz, embora, às vezes, pareça tardar, não faltará, porque a Justiça de Deus é
infalível, é indefectível! É assim que morreu 123 Lázaro, o mendigo, e foi conduzido
pelos anjos ao Seio de Abraão; morreu também o rico e foi posto no Hades. Duas
personalidades distintas uma que gozou, outra que sofreu: uma a quem nada
faltava, outra a quem tudo faltava, vão trocar agora as suas condições; vão
mudar de cenário: o mendigo vai para a abundância, e o rico é que passa a
mendigar! É o reverso da medalha, que se apresenta a todos no dia do
julgamento. Vós tendes visto muitas medalhas? Figuremo-las numa libra
esterlina: de um lado traz a figura do rei, mas, do outro, traz o seu valor
real. Assim acontece também conosco. Cada um de nós é uma medalha; e como a
medalha, a libra de ouro vale segundo o câmbio corrente, assim também nós
valemos de acordo com o câmbio espiritual, que taxa o valor das nossas almas.
Aqueles que olham só a efígie, não conhecem o valor do dinheiro, porque a
efígie, o verso da medalha, traz só o retrato do rei, e a medalha não vale o
rei. Assim também os que olham o homem só pelas aparências, pelo exterior, não
conhecem o homem, porque o exterior do homem é a efígie da vaidade, do egoísmo
e do orgulho. O que vale na medalha é o reverso; o que vale no homem é o
interior, ou seja, o Espírito. O rico trazia no verso o característico do rei,
mas, depois que morreu, apurou-se o valor da medalha gravado no reverso, e esse
valor não permitiu ao rico senão uma “entrada” no Hades. Ao pobre, que apurara,
desde a sua existência na Terra, o que estava gravado no reverso da medalha,
esse sacrifício lhe deu o valor de ser levado pelos anjos ao Seio de Abraão.
Como é diferente o julgamento de Deus, do julgamento dos homens! Deus não se
deixa levar pelo preconceito; Deus não se deixa levar pelo juízo humano. Que é
o seio de Abraão? Mas continuemos a nossa análise. 124 Que é o Hades? Que é
Hades? É isto que precisamos saber para melhor compreendermos a parábola do
Grande Mestre. *** Seio de Abraão é a liberdade do Espírito no Espaço Infinito;
Seio de Abraão é o Mundo Invisível, onde os Espíritos, com os seus corpos
imponderáveis, caminham livres de todas as peias, realizando sempre novas
conquistas, fazendo novas descobertas, aprendendo novas verdades que os elevam
em conhecimentos, que os elevam em felicidade. Seio de Abraão é o Mundo da
Imortalidade, da Luz e da Verdade, onde quanto mais progredimos mais
aprendemos, e quanto mais aprendemos mais sabemos amar nosso Deus e nosso
próximo; é o mundo da Fé verdadeira, que abala e transporta montanhas, faz
espumar oceanos e produz ventos; mas que também dá calma e bonança a todos
aqueles que, como os discípulos no Mar da Galiléia, batidos pelo rijo tufão,
imploram o auxílio de Jesus, e, com a esperança de salvamento, ouvem as doces
palavras do Humilde de Nazaré soarem a seus ouvidos como uma luz a iluminar o
caminho numa noite tenebrosa. Abraão foi o Patriarca dos Hebreus, alta personagem
do Antigo Testamento, em quem a fé mais se acrisolava, mais viva e rútila se
mostrava, a ponto de não vacilar em sacrificar seu filho Isaac, para obedecer
às ordens que havia recebido do Alto. Abraão era um crente sincero na
Imortalidade: via o Espaço semeado de Espíritos, conversava com os Espíritos
daqueles que nós chamamos, indevidamente, mortos, vivia em relações contínuas
com o Mundo dos Espíritos, que era o seu Seio predileto, que era o seu Paraíso,
o seu Céu, a sua delícia, a sua felicidade. Para ai é que foi Lázaro, com
inteira liberdade de locomoção nos ares. Ele havia sofrido na Terra, aguilhoado
pela dor, na miséria, privado das 125 delícias do mundo, mas cria num Deus
Supremo, que lhe concedera aquela existência de expiação e de provas, para que
reparasse os males de suas vidas passadas, em que havia também descurado das
coisas divinas e só tratado dos gozos efêmeros do mundo; Lázaro saldara a sua
conta; ao sair da prisão corpórea, tinha pago o último ceitil de sua dívida, e
reconquistara o Reino da Liberdade e da Luz, que Deus concede a todos os que se
submetem à sua Lei, aos seus santos desígnios. Eis o que é o Seio de Abraão;
eis o painel, o quadro majestoso que Jesus desenhou aos olhos dos ouvintes da
parábola com referência a Lázaro, ao mendigo, que tinha como única caridade, na
Terra, as carícias, os beijos dos cães, esses fiéis amigos dos homens, que
vinham lamber-lhe as chagas! *** Continuemos a respigar o Evangelho, e do Seio
de Abraão passemos ao Hades. — Que pensais vós que seja o Hades? Os antigos
acreditavam na existência de um mundo subterrâneo, para o qual iam as almas
daqueles que não foram bons na Terra. O corpo ficava no sepulcro, e o Espírito
ia para o Hades: “mundo localizado nas entranhas da Terra. (*) Daí, essas almas
não poderiam sair, assim como nós, em corpo de carne, não podemos sair deste
mundo. Entretanto, os Espíritos que estavam no Hades viam com os olhos da alma,
e sabiam, portanto, tudo o que se passava no Seio de Abraão. E era justamente
nisso que consistia o sofrimento deles: verem o que se passava no Alto, e não
poderem participar dessas regalias que só eram concedidas àqueles que, como
Lázaro, haviam saldado sua conta espiritual. Por isso diz o Evangelho que o
rico levantou os olhos e viu ao longe Abraão e Lázaro no seu Seio, e clamou:
Pai Abraão, tem compaixão de 126 mim! E manda a Lázaro que molhe a ponta dó seu
dedo e me refresque a língua, porque estou atormentado nesta chama!” O rico
queria água! Antigamente passara a vinhos e licores finos, mas no Hades pedia
água; tinha sede e essa sede não era a do corpo, não se tratava de água de rios
ou de fontes, porque o corpo estava no sepulcro, e o Espírito não pode beber
água material. Era sede de consolação, de esperança, de perdão! Ele também já
havia compreendido que a causa das suas dores era a vida dissoluta que passara
no mundo e a chama viva do remorso abrasava a sua consciência! Ele queria água,
essa água da vida, essa água de salvação que Jesus havia dado à Mulher de
Samaria. Essa água do perdão dos pecados que o rico havia cometido contra todos
os que mendigam dos homens a caridade da atenção para as coisas divinas. E
Abraão; o grande Patriarca, que vivia feliz no Mundo Espiritual, dirigindo a
enorme falange de Espíritos que havia aumentado a sua descendência, falange de
Espíritos a quem guiava, e entre os quais se contava Lázaro, que era um dos
seus protegidos espirituais, Abraão respondeu ao rico: “Filho, lembra-te que
recebeste os teus bens na tua vida; e Lázaro do mesmo modo os males. É justo,
pois, que ele, agora, esteja consolado, e tu em tormentos. “Acresce ainda que
entre nós e vós está firmado um grande abismo, de modo que nem nós podemos
viver onde vós estais, nem vós podeis viver onde nós estamos; a vossa atmosfera
nos abafa, assim como a vossa vos sufocaria; os ares que respiramos são
insuficientes para vós que estais impregnados de matéria. “Tratastes só da
matéria, só do corpo; cultivastes a matéria que não vos deixa elevar e chegar
até nós. Ao passo que Lázaro teve os olhos voltados para o Alto, não tendo
tempo senão de pagar dívidas materiais, e 127 conquistou fluidos espirituais
para se elevar ao lugar em que se acha atualmente.” Mas Abraão ouvia a voz do
rico, e o rico ouvia a voz de Abraão; o rico no Hades via Lázaro no Seio de
Abraão, todos eles se comunicavam, falavam, conversavam; porque havia
necessidade de o rico ser exortado para se regenerar mais tarde, e, como
Lázaro, vir novamente ao mundo pagar a sua dívida, para, como Lázaro, depois
subir também ao Seio de Abraão; porque também ele era filho de Abraão, e Abraão
não deixaria seu filho perecer! Abraão chamou-o de filho; disse-lhe: “Filho,
lembra-te da tua vida e lembra-te da vida de Lázaro”, querendo dizer com isto
que, sem voltar à vida corporal, semelhante à de Lázaro, para sofrer as
conseqüências do seu orgulho e do seu egoísmo, ele, o rico, não chegar ao seu
Seio! Foi então que o Espírito do rico, agora cheio de pobreza e de sofrimento,
lembrando-se de seus cinco irmãos, que faziam a mesma vida que ele fazia quando
estava na Terra, replicou: “Pai, eu te rogo, então, que o mandes à casa de meu
pai (pois tenho cinco irmãos) para os avisar, a fim de não suceder virem também
eles para este lugar de tormentos.” O rico, que estava no Hades, sabia muito
bem, porque via que Pai Abraão mandava sempre outros Espíritos dar avisos aos
homens da Terra; então pediu que o mandasse à casa daquele que havia sido seu
pai, porque ele tinha cinco irmãos que também faziam vida dissoluta e
precisavam ficar conhecendo os tormentos que os aguardavam se continuassem
assim. Mas Abraão lhe disse: “Eles têm Moisés e os profetas, ouçam-nos.” O que
significa: “Moisés conta-lhes tudo o que precisam fazer para serem felizes, e
os profetas, que são médiuns, dizem-lhes, pela influência dos Espíritos, o que
se passa depois da morte, a fim de lhes dar instruções para que não venham,
como tu, parar no Hades.” Mas o rico insistiu com Abraão, e, apresentando-lhe
várias razões, disse: “Mas, Pai Abraão, se algum dos mortos for ter com eles, e
lhes falar, lhes aparecer, e eles se manifestar, hão de se arrepender.” 128 O
rico desejava que seus irmãos tivessem uma manifestação positiva dos mortos,
porque julgava que, por essa forma, se tornariam obedientes à Lei de Deus. Mas
Abraão respondeu novamente: “Se eles não ouvem a Moisés e aos profetas,
tampouco se deixarão persuadir, ainda que ressuscite alguém dentre os mortos.”
Pois se eles haviam repelido as exortações dos profetas, por quem os mortos
costumavam falar, como haveriam de crer nos mortos. Para crer nos mortos era
necessário crer nos profetas, porque os profetas não eram mais do que médiuns,
por quem se comunicavam os Espíritos dos mortos. Se eles não acreditavam nos
médiuns, como haveriam de crer nos Espíritos. Como poderiam os Espíritos dos
mortos avisá-las como o irmão queria, sem os médiuns indispensáveis para
transmitir a comunicação. Sabemos que o corpo do Espírito é muito mais
rarefeito do que o nosso e que por isso não o podemos ver nem ouvir; e que o
Espírito sempre se manifesta com o concurso de um médium; como poderia Abraão
atender o pedido de seu filho para satisfazer outros cinco filhos ricos?. ***
Finalmente, antes que Jesus houvesse proposto à multidão, que se achava em
torno dele, a bela parábola que acabamos de estudar, havia ele dito aos
fariseus, que eram avarentos: “A Lei de Moisés e os profetas duraram até João
Batista; desde esse tempo o Evangelho do Reino de Deus é anunciado; e todos à
força entram nele; porém da Lei de Deus não cairá um til, não será suprimido um
i.” Deus dá a liberdade a todos para buscarem a sua Lei; e àqueles que buscam,
o Pai não dá o Espírito por medida. Está escrito “Aquele que pede, recebe: o
que busca, encontra; e ao que bate, se abre, porque o Pai 129 não dá uma pedra
a quem lhe pede um pão, nem uma serpente a quem lhe pedir um peixe.” (Mateus,
7-8). Assim Deus respeita o livre arbítrio que a cada um concedeu. Os Espíritos
dos mortos podem comunicar-se e se manifestam aos vivos, mas não podem obrigar
os vivos, embora sejam eles ricos e grandes, a tomarem, desde já, posse da felicidade
futura! E é por isso que sabemos de muitos ricos das coisas do mundo, e muitos
pobres que querem enriquecer com as coisas do mundo, que, embora tenham visto e
ouvido manifestações e avisos dos mortos, não se convenceram com esses avisos.
Ao contrário, dizem que foi ilusão, medo, tolice e loucura! Por isso fez bem
Abraão em não permitir a manifestação espírita aos cinco irmãos ricos daquele
que se vestira de púrpura e se banqueteara esplendidamente todos os dias da sua
existência na Terra. *** O homem que se quer convencer pela força, há de lhe
acontecer o que aconteceu à cigarra de La Fontaine: “Cantou a sua vida, mas
depois chorou a sua morte.” E há de voltar chorando na outra vida para, com
justa razão, cantar na Imortalidade.
130 PARÁBOLA DO SERVO TRABALHADOR
“E
disseram os Apóstolos ao Senhor: Aumenta-nos a fé. E o Senhor respondeu: Se
tivésseis fé do tamanho de um grão de mostarda, diríeis a este sicômoro:
Arranca-te e transplanta-te no mar; e ele vos obedeceria. “Qual de vós, tendo
um servo ocupado na lavoura ou guardando gado, lhe dirá, quando ele voltar do
campo: Vem já sentar-te à mesa? Antes lhe dirá: Prepara-me a ceia, cinge-te e
serve-me, enquanto eu como e bebo; e depois comerás tu e beberás? Porventura
agradecerá ao servo, por ter este feito o que lhe havia ordenado? Assim também
vós, depois de haverdes feito tudo o que vos foi ordenado; dizei: Somos servos
inúteis, fizemos o que deviam os fazer.” (Lucas, XVII, 7-10.) Era costume,
antigamente, utilizar-se dos servos que trabalhavam na lavoura ou guardavam
gado: ao chegarem, à tarde, preparavam a ceia para o seu amo, serviam a mesa,
e, depois, ceiavam. Aquele que assim não fizesse deixaria de cumprir o seu
dever, e o que assim procedia, não fazia mais que cumprir sua obrigação, porque
para tal mister fora contratado e recebia seu salário. Não se jactava de assim
proceder, visto o prévio ajuste que houvera entre ele e o patrão. Jesus, que se
aproveitava sempre do que ocorria cotidianamente, para dar boas lições àqueles
que deviam ser, mais tarde, os seus apóstolos, ao pedirem estes ao Senhor que
lhes aumentasse a fé, depois de exaltar as virtudes da fé e o poder que a mesma
mantém, lhes propôs a chamada Parábola do Servo Trabalhador. Quis o Mestre
fazer ver a seus discípulos que a fé é o salário dos bons obreiros, e para que
esse salário seja aumentado, é preciso que os obreiros cumpram primeiramente
seus deveres, mas sem jactância, com humildade, 131 como quem se considera pago
com as graças recebidas para desempenhar a sua tarefa. (*) A lavoura é o
símbolo da Religião, que deve ser cultivada por todos; o gado constitui ou
representa “esses todos”, ou seja, os que se querem instruir na Religião, os
guardadores de gado; o dono da lavoura ou do gado é Jesus que nos veio trazer
esse alimento de Vida Eterna. A fé, como já dissemos, não é uma coisa abstrata,
como não é abstrata a semente de mostarda. Assim como esta é alguma coisa
substancial, também a fé contém tão poderosos elementos que os que a possuem
chegam a operar maravilhas, como “arrancar sicômoros e arrojá-las ao mar”! A
semente de mostarda, quando chocha, é estéril, não dá espigas, não serve para
condimento, não se presta como medicamento, enfim não tem valor algum. A fé que
se acha nestas condições também não tem valor algum. E o que diremos da fé que
nem mesmo aparenta a semente chocha da mostarda? Acresce outra circunstância
que observamos na parábola: os apóstolos não acreditavam nessa fé que se recebe
de um jacto, como a prescrevem as Igrejas; achavam que ela é suscetível de
aumento, tanto que pediram a Jesus: “Senhor, aumenta-nos a fé.” E o Senhor não
os dissuadiu dessa crença, antes alimentou-lhes a esperança, estimulando-os ao
trabalho e à perseverança, ao cumprimento do dever, que é o meio pelo qual
alcançariam tal desiderato. O Espiritismo, que é o Consolado r prometido por
Jesus para relembrar aos homens tudo o que Ele disse, explica, em espírito e
verdade, a sua palavra e traz, a todos, o complemento dos Ensinos Cristãos, que
não podiam ser dados naquela época devido ao atraso intelectual de então. O
Espiritismo vem cumprir a sua missão, oferecendo aos homens a explicação
sucinta da Religião em suas modalidades científica e filosófica.
132 PARÁBOLA DO JUIZ INÍQUO
“Propôs-lhes Jesus uma parábola para mostrar
que deviam orar sempre e nunca desanimar, dizendo: Havia em certa cidade um
juiz, que não temia a Deus, nem respeitava os homens. Havia também naquela
mesma cidade uma viúva que vinha constantemente ter com ele, dizendo:
Defende-me do meu adversário. Ele por algum tempo não a queria atender; mas
depois disse consigo: se bem que eu não tema: a Deus, nem respeite os homens,
todavia como esta viúva me incomoda, julgarei a sua causa, para que ela não
continue a molestar-me com as suas visitas. Ouvi, acrescentou o Senhor, o que disse
este juiz injusto; e não fará Deus justiça aos seus escolhidos, que a Ele
clamam dia e noite, embora seja demorado a defendê-los? Digo-vos que bem
depressa lhes fará justiça. Contudo, quando vier o Filho do Homem, achará,
porventura, fé na Terra?” (Lucas, XVIII, 1-8.) A iniqüidade é a falta de
eqüidade, é a justiça revoltante. O iníquo é o homem perverso, criminoso, seja
ele juiz, doutor, nobre, rico, pobre, rei. Na esfera moral, mesmo aqui na
Terra, não se distinguem os homens pelo dinheiro e pelos títulos que possuem,
mas, sim, pelo seu caráter. O iníquo não tem caráter, ou, por outra, tem
caráter iníquo, pervertido. Mas ainda esse, quando tem de resolver alguma
questão e o solicitante resolve bater à sua porta até que dê provimento ao seu
pedido, para não ser incomodado, e porque é iníquo, resolve, com presteza, o
problema, não para servir, mas para ficar livre de continuar molestado. Foi o
que sucedeu com o juiz iníquo ante a insistência da viúva. De modo que a demora
do despacho na petição da viúva foi causada pela iniqüidade do juiz. Se este,
fosse eqüitativo, justo, reto, de bom caráter, cumpridor de seus deveres, a
viúva teria recebido deferimento do seu pedido com muito maior antecedência.
133 Seja como for, o despacho foi dado, embora a custo, após reiteradas
solicitações, importunações cotidianas, e o juiz, apesar de iníquo, para não
ser “amolado”, resolveu a questão. “Ora, disse Jesus, ouvi o que disse esse
juiz iníquo; e não fará Deus justiça aos seus escolhidos, que a Ele clamam
noite e dia, embora seja demorado em defendê-los? Digo-vos que bem depressa
lhes fará justiça.” Se a justiça, embora demorada, se faz na Terra até contra a
vontade dos juizes, como não há de ser ela feita pelo Supremo e Justo Juiz do
Céu? A deficiência não é, pois, de Deus, mas sim dos homens, mormente na época
que atravessamos, em que o Filho do Homem bate a todas as portas, inquire todos
os corações e os encontra vazios de fé, vazios de crença, vazios de amor a
Deus, vazios de caridade! Antigamente havia juizes iníquos; hoje, pode-se dizer
que nem só os juizes, mas até os peticionários são iníquos! A iniqüidade lavra
como um incêndio devorador, aniquilando as consciências e maculando os
corações: homens iníquos, lares iníquos, sociedades iníquas, governos iníquos,
leigos iníquos, sábios iníquos; tudo isso devido à crença sacerdotal, aos
dogmas das seitas dominantes! Mas o Senhor aí está a destruir a iniqüidade, e,
com ela, os iníquos. 134
PARÁBOLA DO FARISEU E DO PUBLICANO
“Propôs também a seguinte parábola a alguns que
confiavam na sua própria justiça e desprezavam aos outros: Subiram dois homens
ao templo para orar: um fariseu e outro publicano. O fariseu, posto em pé,
orava dentro de si desta forma: Ó Deus, graças te dou, que não sou como os
demais homens, que são ladrões, injustos, adúlteros — nem ainda como este
publicano; jejuo duas vezes por semana, e dou o dízimo de tudo quanto ganho. O
publicano, porém, estando a alguma distância, não ousava nem ainda levantar os
olhos ao céu, mas batia no peito, dizendo: “Ó Deus, sê propício a mim, pecador!
Digo-vos que este desceu justificado para sua casa, e não aquele; porque todo o
que se exalta, será humilhado; mas o que se humilha, será exaltado.” (Lucas,
XVIII, 9-14.) A seita farisaica era a mais prestigiada no tempo de Jesus, a
mais influente, a mais dominadora, a que mais se salientava. Era uma espécie de
Catolicismo Romano. Os fariseus, entretanto, eram servis observadores das
práticas exteriores, do culto e das cerimônias. A religião, para eles, era uma
aparência de virtudes: preferiam sempre a letra da lei, que mata, ao espírito
que vivifica! Eram hipócritas, inimigos encarniçados das inovações, cheios de
orgulho e de excessivo amor ao domínio. Eles tinham uma aversão especial aos
publicanos, a quem consideravam gananciosos, e também porque, inimigos do
fisco, tinham de pagar a estes os impostos que lhes cabia na coleta. De maneira
que os publicanos eram, para os fariseus, homens desprezíveis da baixa
sociedade, e, portanto, cheios de mazelas, “ladrões, injustos, adúlteros”, não
só porque não se curvavam muitas vezes às práticas dos sacerdotes fariseus,
como, também, porque uma prevenção 135 partida ria anterior os havia separado
da seita farisaica, ou do Judaísmo. Jesus, que muito se ocupou em desmascarar a
hipocrisia dos fariseus, julgou acertado propor esta parábola, cujas principais
figuras eram: um fariseu e um publicano. Quis o Mestre mostrar que o orgulho de
seita, o orgulho de classe, o orgulho de família, o orgulho pessoal —
finalmente, o orgulho em suas múltiplas formas, é mais prejudicial à salvação
do que mesmo “o publicanismo”, como o concebiam os fariseus! Ainda mais: quis
demonstrar que no publicano, com todos os seus senões, ainda se encontrava um
gesto de humildade, o que não acontecia no fariseu. O publicano conhece os seus
defeitos, sabe que é pecador; nem ousa levantar os olhos para o céu; limita-se
a bater no peito e a dizer: “O Deus, sê propício a mim pecador!” Enquanto o
fariseu reconhece em si somente qualidades boas, e a sua prece é uma acusação aos
outros, até ao pobre publicano que lá estava rogando ao Senhor o perdão de suas
faltas! O orgulho é um dragão devorador, que destrói todas as qualidades do
Espírito; enquanto a humildade, ao olhar de Deus, nos eleva à dignidade dos
justos! Vale mais ser publicano e miserável, do que fariseu coberto de ouro e
de pedras preciosas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário